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Espaço do aviador!


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Primeiro capítulo da história do Brigadeiro R1 Danilo Paiva Álvares.

 

 

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Como tudo começou!

Em meados do ano de 1945, na fazenda de meu avô, Santa Eponina em Acegua, fronteira do Uruguai, fiquei maravilhado com as “piruetas” aéreas dos Quero-Queros ao protegerem seus filhotes. Na época, com apenas 6 anos, não conseguia entender como eles conseguiam voar, já que eram pesados. Peguei então uma pequena pedra, mais leve do que os pássaros, e a atirei longe. Ela não voou. Achei aquilo muito estranho, pois era mais leve que o pássaro, é bem verdade que os Quero-Queros tinham asa e a pedra não.

Talvez fosse essa a diferença, apesar de que a pedra não era um ser vivo, porém as nuvens também não eram e por muitas vezes, naquelas férias, fiquei pensando como poderia aquilo acontecer.

O tempo passou e nunca mais pensei naquela “incoerência”.

Lá pelos idos de 1954, em Porto Alegre, ouvi um barulho estranho vindo do céu. Imediatamente, larguei os estudos e corri para a varanda de minha casa. Olhei para cima e fiquei, novamente, deslumbrado com as “piruetas” de dois aviões que “brincavam” em torno das nuvens daquela tarde de verão do Rio Grande do Sul.

Os Gloster-Meteor (F-8 na designação da FAB), avião a jato inglês, acabavam de chegar para equipar o 1º/14º Gav. em Canoas, próximo de Porto Alegre.

Fiquei maravilhado, imaginei a sensação que os pilotos deveriam estar sentindo, pois parecia muito melhor do que qualquer montanha russa e fiz uma promessa a mim mesmo: “Um dia ainda vou estar dentro de um daqueles aviões”.

 

 

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Doze anos mais tarde, no dia 11 de março de 1964, eu decolava da pista 04 da Base Aérea de Santa Cruz no Gloster Meteor número de série 4438 em direção aos céus. Havia cumprido a minha promessa e alcançado um ideal, tantas vezes sonhado há mais de dez anos.

As coisas não foram tão fáceis para chegar até aí, porém o destino foi cúmplice de minha história profissional.

Estudava no Colégio Anchieta, em Porto Alegre e desconhecia completamente como poderia, um dia, voar naquele avião. Eu ainda não sabia da existência da Força Aérea Brasileira e que para voar o avião do meu ideal eu teria antes que ser Oficial Aviador.

Inesperadamente, no final de 1954, meu pai, que era Oficial do Exército, foi convidado a integrar o Gabinete do novo Ministro do Exército, Gen. Lott, no Rio de Janeiro. Getúlio Vargas havia se suicidado em agosto, por isso a formação de um Gabinete do novo Ministro e daí o convite ao meu pai.

Em fevereiro de 1955, minha mãe levou-me ao Aeroporto de Porto Alegre para encontrar meu pai, no Rio de Janeiro, e matricular-me na 4ª série ginasial do Colégio Militar. Começou aí, agora não era apenas um sonho, minha paixão, meu vício, minha determinação, ou seja, lá o que for por aquelas máquinas que conseguiam imitar os pássaros.

Embarquei sozinho num Convair 340 da Real Aerovia, prefixo PP-YRF, em direção ao Rio de Janeiro. Logo após a decolagem, vendo as “coisa terrenas” ficarem cada vez menores, senti que aquele seria o meu caminho. Era aquilo que gostaria de sentir para o resto de minha vida. Com certeza eu seria um aviador.

 

 

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Encontrei meu pai no Aeroporto Santo Dumont e logo no dia seguinte já estava inscrito como aluno no Colégio Militar do Rio de Janeiro. Sem muitas dificuldades, terminei o 3º Ano Científico (2º Grau atual) em 1959. Meu pai matriculou-me, então, num pré-vestibular de Economia, pois previa ele, seria a profissão do futuro.

Secretamente, sem o conhecimento e autorização de meus pais, inscrevi-me para a Escola de Aeronáutica dos Afonsos. Nessa altura eu já sabia que o Gloster era um avião da Força Aérea Brasileira e que para voá-lo teria que ingressar no curso de aviador militar. Sabia que haveria um exame médico rigoroso e que, provavelmente, não seria aprovado. Inscrevi-me por desencargo de consciência, já que iria atender ao desejo de meu pai.

Qual não foi minha surpresa quando recebi a indicação de matrícula na Escola de Aeronáutica. Não tinha mais jeito, teria que fazer uma opção e contar para os meus pais. Num domingo, após o almoço em família, contei para eles que havia sido admitido no curso de Oficial Aviador da FAB. Meu pai, já General do Exército, aceitou a decisão do filho com serenidade. Minha mãe ficou desgostosa e com medo de perder o filho numa profissão considerada arriscada naquela época. A sorte estava lançada.

Fui matriculado na Escola de Aeronáutica dos Afonsos no dia 03 de março de 1960. Fui considerado “pára-quedista”, pois havia ingressado diretamente no curso de aviador sem ter cursado os três anos da Escola Preparatória da Aeronáutica em Barbacena, Minas Gerais. Entrei como “bicho” numa turma de veteranos da FAB já com três anos de convivência. Éramos 22 “bichos-paraquedista”. Recebemos os uniformes alguns dias após o ingresso e, enquanto isso andava “a paisano” e levando trotes dos veteranos de turmas de cadetes mais antigas. É bem verdade que cadetes dos 2º e 3º ano oriundos do Colégio Militar me protegiam, na medida do possível.

Um deles, amigo antigo da Arma de Cavalaria do CM, hoje Cel-Av R/R Paulo Pinto, escalava-me para arrumar a sua cama ao amanhecer. Como ele já estava no 3º Ano Aviador, era respeitado por todos e ninguém tinha coragem de me dar trote. Quando já fardado e dentro da rotina da Escola, os trotes cessaram e, finalmente, senti-me aceito no âmbito dos aviadores.

Levei, relativamente, poucos trotes. Um, em especial, lembro-me bem, pois foram dados por dois colegas de turma, porém já veteranos, que posteriormente tornaram-se grandes amigos meus: Cadetes Jai Fergunson (Papagaio) e Carlos Alberto Pereira Brandão (Baiano) . Consegui fazer umas 40 flexões antes de cansar. Lembro por que, normalmente, não conseguia fazer mais do que umas 25 flexões. Este trote me ensinou que temos mais energia do que imaginamos.

Muitas vezes, no decorrer de minha vida, quando pensava estar esgotado fisicamente ou mentalmente, lembrava-me deste trote e conseguia seguir em frente até alcançar o objetivo pretendido. Na verdade o ser humano, naturalmente, nunca se entrega, ele retira forças inimagináveis para a sua sobrevivência.

Muito bem, agora eu era um Cadete Aviador e ao receber o Espadim senti-me cheio de orgulho, vitorioso e com chances de realizar o meu sonho.

Eu soube, então, que para chegar ao Gloster eu teria que voar uma série de aviões. Não me preocupei, pois seriam apenas “degraus” para chegar a voar ao F-8.

Que venha o primeiro: um tal de FOKKER T-21.

 

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Postado no site: http://www.defesaaereanaval.com.br/

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CAPÍTULO 2

 

No dia 03 de março de 1960, fiz meu primeiro vôo. Começava aí a realização de um ideal, de um sonho de menino, de um destino de aviador militar brasileiro.

A aeronave, de origem holandesa e montada na antiga Fábrica do Galeão, hoje Unidade Logística da Força Aérea, era um Fokker T-21, matrícula 0734, tendo como instrutor o Ten Cunha.

Fokker-T-21-0734.jpg

Diferente do piloto civil, é exigido do piloto militar uma adaptação rápida a qualquer tipo de aeronave, isso desde o 1º avião. Solei o T-21 com pouco mais de 6 hs de vôo enquanto nos Aeroclubes um piloto sola com cerca de 30 hs de vôo.

Lembro-me, nitidamente, de três vôos dentre muitos efetuados naquele ano. O primeiro, como não poderia deixar de ser, foi a primeira vez que voei “solo” ou seja sem um instrutor, somente eu e o avião. Foi no dia 14 de maio de 1960, após 6:30 hs de instrução, no T-21 matrícula 0765.

Minhas horas de vôo em instrução:

10/04/60     T-21  763   00:50:00     Ten. Cunha

11/04/60     T-21  757   00:45:00     Ten. Cunha

21/04/60     T-21  733   00:50:00     Ten. Cunha

27/04/60     T-21  704   00:15:00     Ten. Kuhner

03/05/60     T-21  744   00:45:00     Ten. Kuhner

11/05/60     T-21  734   00:50:00     Ten. Kuhner

18/05/60     T-21  704   00:15:00     Ten. Kuhner

26/05/60     T-21  771   00:10:00     Ten. Kuhner

08/06/60     T-21  797   01:05:00     Ten Duarte

A sensação foi indescritível. Após 1:05hs de exame prático de vôo, com um oficial checador, Ten. Duarte, ouvi dele que estava solo e que poderia voar sozinho daí em diante.

Peguei o pára-quedas, cautela nº 126357   (guardo-a até hoje como recordação), dirigi-me ao avião escalado, T-21 S/N 0765, entrei cheio de confiança, confesso que sem receio nenhum, dei a partida e dirigi-me para a cabeceira da pista 17 do Campo dos Afonsos. Alinhei o avião com a pista, olhei a manete de aceleração e antes de deslocá-la para aceleração máxima, agradeci a Deus a graça recebida.

Ali, parado, havia feito uma coisa que não costumava fazer, porém foi espontâneo.  Naquela época escutava de todo mundo um pedido de alguma graça a Deus e eu também pedia para ser atendido. Um belo dia  dei-me conta de que eu apenas pedia e quando recebia a graça, esquecia-me de agradecer. Daí em diante, até hoje, para não ser injusto, não peço nada a Deus. Naquela hora, agradeci sem ter pedido, pois Ele me havia concedido alguma coisa fruto de meu próprio esforço. Dei-me conta, então, de que qualquer graça não depende só de Deus e sim de um esforço honesto, competência e sorte pessoal em consegui-la. Este fato norteou toda a minha vida.

O outro vôo marcante, no qual ganhei um apelido na Escola, foi um vôo solo no qual tentei fazer escondido num cantinho do Céu, algumas acrobacias sem ter recebido instruções para tal. Nos vôos pré-solo apreendiam-se, naquela época, algumas manobras simples e a mais radical, a manobra chamada parafuso. Deixava-se o avião perder a sustentação aerodinâmica e ele despencava com o nariz  em direção ao solo e rodando em seu eixo longitudinal, praticamente sem nenhum controle. Havia, naturalmente, um comando para se sair daquela situação e treinávamos “parafuso” para, caso acontecesse alguma anomalia aerodinâmica, sabermos como sair daquela situação.

Pois bem, “grande aviador”, inexperiente e com poucas horas de vôo, escutava, lembro-me bem de um colega, Cadete Eni Guedes nos “papos de alojamento”, que seu instrutor, Ten Barry Andrew Trevor Hancock, o havia ensinado a fazer loopings e touneaux rápido. O looping é uma cambalhota de avião e o touneaux  rápido, um parafuso na horizontal. Num dia, ensolarado e a tarde decolei com o firme propósito de fazer aquelas acrobacias.  Voei lá pelos lados do Aeroclube de Nova Iguaçu, subi para uns 300 metros e comecei a tentar fazer loopings e touneaux rápidos conforme tinha escutado do Guedes. Não consegui fazer nenhum e em todas as vezes entrei em parafuso. Ou eu estava de bobeira ou o Guedes havia contado vantagem sem ter feito coisa nenhuma de acrobacias.

Infelizmente, alguém notou aquele avião no céu tentando fazer alguma coisa sem conseguir. Foi o Cadete Hélius Ferreira Araújo que, em outro avião e voando solo, chegou a conclusão que o avião não era pilotado por um instrutor e sim por um “manicaca maluco” memorizando o número de série daquele T-21. Quando pousou, foi logo no quadro de escala de vôo para saber, pelo número do avião, quem era aquele cadete maluco. Não deu outra, passei a ser chamado de maluco durante o período de cadete e até hoje pelo Hélius.

O terceiro vôo marcante foi na final da pista 08 dos Afonsos. Vinha eu tranquilo para pousar, após uma hora de vôo solo, quando apareceu na minha frente um urubu. Na época eu não sabia que os urubus eram espertos. Quando em eminência de choque em vôo, eles fecham as asas e entram em parafuso livrando-se de eventuais ameaças. Minha reação foi desviar para cima a evidência do choque, tendo consciência que poderia entrar em parafuso a baixa altura o que seria fatal com a queda do avião. Fiz o movimento para cima e parei de puxar o manche, o urubu contribuiu para baixo. Ouvi o choque do urubu e nessa altura eu já havia controlado

Pousei sem problemas na pista 08. Sai do avião e fui ver se havia algum estrago. O urubu havia feito um “amassão” na parte inferior da asa direita. Relatei o ocorrido ao meu instrutor e ele, por força do destino, disse-me para nada contar que ele iria falar com o mecânico para consertar o “amassão”. Entrava aí, pela primeira vez na minha vida profissional, o “fator sorte”. O aviador antigo é, sem exceção, um sobrevivente, pois a aviação não perdoa aqueles que não nasceram com sorte.

Ainda neste primeiro ano, aconteceu um fato lamentável. O Ten Belfort, instrutor de T-21, solicitou à direção da Escola para dar instrução de T-6 para os Cadetes do terceiro ano aviador. Num dos vôos de readaptação ao T-6, o motor deu pane logo após a decolagem. O avião iria cair. Ele tentou voltar para a pista e não conseguiu. O avião colidiu com o solo em frente aos hangares chocando-se com um caminhão de combustível. O Ten Belfort faleceu.

Esse acidente, o primeiro dentre muitos que vivenciei no decorrer dos anos, ensinou-me a ser competente na arte de voar. Voar não era uma aventura irresponsável e sim uma ação a ser exercida com cautela, muito estudo e dedicação.

Finalmente, tornei-me veterano no final de 1960. Passei para o 2º ano como Aviador.

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                                                                                                                                                CAPÍTULO 3

 

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Fokker T-21 FAB 0789 Musal

Meus dois anos seguintes, 1961 e 1962, como Cadete do Ar, me trazem boas recordações, e outras mais ou menos. Mais ou menos por que o 2º ano-aviador foi uma fase de poucos vôos, pois a maior parte do tempo foi dedicada a estudos teóricos.

Na época e com pouca experiência de vida, eu queria ser somente aviador e qual não foi a minha surpresa quando deparei-me com uma série de matérias teóricas, básicas e de administração da Aeronáutica. Eu estava sendo formado Oficial Aviador e não sabia disso.

Continuava a voar o Fokker T-21 solo e com um instrutor. Lembro de um vôo particularmente gozado. Foi no dia 19 de junho de 1961, T-21 0762, com o Ten Porto.

Decolei dos Afonsos e o Ten Porto me instruiu para ir para o Aeroclube de Nova Iguaçu a fim de treinar “aproximações”. Essa manobra consistia em acertar a cabeceira da pista na altura e velocidades certas para pousar. As aproximações eram de 360º, 270º, 180º e 90 º, evidentemente com altitudes diferentes. Pois bem, ao nos aproximarmos de Nova Iguaçu, o Ten Porto reduziu o motor e disse-me para alcançar a pista sem mexer na manete de potência. Estávamos a uns de 700 pés de altitude e distante da cabeceira da pista oposta. Na minha pouca vivência aviatória, achei que estávamos muito alto e baixei todo o flap (superfície móvel da asa utilizada para aumentar a sustentação no pouso). O instrutor falou-me que em aviação só se baixa todo o flap com o pouso garantido. Disse-me que eu estava fazendo uma “ignorância aviatória” e que para provar isso deixaria-me prosseguir para aprender a lição. “Pilotaço arrogante”, fiz um sinal para ele significando “me aguarde”. Ele ficou uma “fera” e disse-me que eu iria “quebrar a cara”. Fui planando, com o motor em marcha lenta, fiz uma curva de aproximação para a pista mantendo sempre a velocidade de aproximação, 65 knots. Qual não foi a nossa surpresa quando cruzei a cabeceira da pista, asas niveladas, altitude correta e a velocidade ideal.

O pouso foi perfeito

O Ten Porto, um nordestino grandão de voz grossa e poucos amigos, não gostou e disse-me que iria me mandar jogar no “Lago do Solo” quando pousássemos de volta aos Afonsos. Não é que o “cara” teve a paciência de acompanhar a formatura dos cadetes de volta para o prédio dos alojamentos e ao passar no tal lago ordenou que a cadetada me jogasse no laguinho? Ninguém entendeu nada pois o Lago do Solo somente era usado quando a cadete voava sozinho pela primeira vez.

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Fokker T-21 FAB 0789 Musal acionado

Voltei para o alojamento todo molhado, inclusive as botinas, mas contente com a sorte que tinha me abençoado. Até hoje não entendi como o avião chegou certinho na cabeceira da pista em uso. Que foi uma ignorância aviatória, isso foi.

Outro vôo que me lembro e por ter sido uma indisciplina de vôo, vou contá-lo pela primeira vez na certeza de que não serei mais punido após 52 anos. Novamente, influenciado pelos “papos de alojamento” ouvi comentários de que o instrutor ensinou a um colega meu, não lembro o nome, a dar um rasante. O “macete” era observar a direção do vento da superfície, qualquer sinal de fumaça no solo servia, e voar contra o vento que seria mais seguro. Pois bem, decolei dos Afonsos no dia 11 de agosto no T-21 nº 0797 em direção ao Aeroclube de Nova Iguaçu subindo para 300 ft. Contornei a Serra de Madureira e prossegui me orientando pela Via Dutra em direção ao Vale de Itaguaí. Imaginei que lá por aquelas bandas nenhum instrutor iria ver-me cometendo uma indisciplina de vôo. Na época dava desligamento sumário. “Clariei” a área e desci para um rasante. O vôo foi interessante e sem maiores problemas, voltei para pouso contornando novamente a Serra de Madureira. Só anos mais tarde tomei conhecimento que estive voando na área de aproximação da pista 04 da Base de Santa Cruz. Por sorte não encontrei nenhum Gloster Meteor (F-8) do 1º Grupo de Caça.

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C-54 FAB

Nesse ano teve um acontecimento digno de nota que nada tem a haver com meus vôos. A inauguração da cidade de Brasília pelo Presidente Juscelino Kubitschek. Um grupamento da Escola de Aeronáutica iria desfilar na Parada Militar em Brasília, alusiva ao evento. Fui escalado e no dia 21 de outubro de 1961 embarquei no C-54 2042 comandado pelo Brig Travassos. As lembranças não aviatórias não fazem parte deste relato, porém lembro-me que fiquei impressionado com o tamanho daquele avião, com seus quatro motores PW R-2000-2SD-BG Twin Wasp com uma potência de 1.450hp cada um. O avião era pesado, lerdo mesmo, fazia curvas suaves e voou a maior parte do tempo reto e nivelado. Achei que seria muito monótono pilota-lo, isso porque eu não sabia na época, que existia um tal de piloto-automático. Aviões grandes, definitivamente não eram “a minha praia”. No outro dia, após o desfile, voltamos para o Rio de Janeiro “reto e nivelado” na mesma aeronave.

Um fato marcante, no início do 2º ano, aconteceu no dia 21 de fevereiro de 1961

No regresso das férias, em Porto Alegre, no Aeroporto de Florianópolis, encontrei o Cap Martinho. Não o conhecia, porém como eu estava fardado, ele me perguntou se estava voltando para os Afonsos. Com minha resposta positiva, ordenou-me a pegar as minhas coisas e embarcar no avião dele, que iria direto para os Afonsos em vez de pousar no Galeão. Maravilha, me economizaria tempo e dinheiro. Feliz da vida, peguei minha maleta e então descobri na pista o avião do Cap. Martinho.

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C-41 “Parisinho”

Era um avião a jato pequeno de 4 lugares. Lembro-me bem do que estava escrito na sua empenagem vertical: C-41 2927. Com apenas um ano de FAB iria voar num jato executivo, conhecido como “Parisinho”, reservado somente para as mais altas autoridades da Nação.

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C-41 “Parisinho”

Uma hora e cinquenta e cinco minutos após a decolagem pousávamos na pista 08 do Campo dos Afonsos. Jamais vou esquecer este vôo, dando-me conta pela primeira vez, que agora pertencia a um seleto grupo de profissionais e a uma organização nacional poderosa: a Força Aérea Brasileira.

A constatação desse fato mais o ano de instruções teóricas aeronáuticas, elevaram-me a um nível de consciência do que a FAB esperava de mim como Oficial Aviador.

O ano foi passando e os vôos de T-21 tornaram-se rotineiros e sempre prazerosos.

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C-82 e C-119 lançando paraquedistas

Aconteceu também em 1961, um evento que merece ser relatado: a instrução e o salto de paraquedas no Campo de Gericinó, na Baixada Fluminense. Foi uma experiência maravilhosa, onde aprendíamos uma técnica de sobrevivência pessoal, caso o avião sofresse uma pane catastrófica ou fosse abatido em combate.

Tivemos uma ou duas semanas de treinamento e logo após, o salto em Gericinó. Todos os cadetes saltaram no primeiro “GO” sem vacilações. Aqui cabe o reconhecimento do profissionalismo dos Instrutores do Escola de Paraquedistas do Exército, pois a missão da Escola havia sido cumprida 100% exitosa.

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Cadetes após o salto

O que mais me impressionou, entretanto, foi o silêncio absoluto durante a queda. Acredito que o som sofre os efeitos da gravidade. A medida que descia, comecei a ouvir os sons da terra: algumas buzinas oriundas da Avenida Brasil; o barulho do escapamento de algum caminhão e assim por diante até ser engolfado pelos ruídos normais comuns aos terráqueos. Percebi, então, que os pássaros voam no silêncio. Deve ser por isso que são os mestres do vôo.

Revendo minhas anotações dos vôos de 1961, percebi um fato no mínimo curioso. Durante todo o ano voei somente com um instrutor, o Ten. Porto e solo alternadamente, perfazendo apenas 27h30min de vôo;

O ano terminou sem mais percalços e fui passar as férias de fim de ano com meus pais na cidade de Dom Pedrito (RGS). Ao regresar para os Afonsos, no próximo ano, iria enfrentar um novo avião o North America, Texas, conhecido na FAB como T-6.

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Capítulo 4

 

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Após dois anos de “aviãozinho” eu iria voar, realmente, um avião de verdade.

O NA T-6 era um avião asa baixa, biplace em “tandem” e equipado com um motor Pratt & Whitney R-1340 – AN-1, radial a pistão com 550 hp de potência. Foram construídas 15.645 unidades e formou várias gerações de pilotos da FAB e do mundo inteiro entre 1946 até 1976.

A FAB recebeu 465 aviões sendo que 81 unidades foram fabricadas sob licença no Parque de Material Aeronáutico de Lagoa Santa em Minas Gerais. 

Meu primeiro vôo foi no dia 14 de março de 1962, no T-6G 1553, tendo como instrutor o Ten. Gilvan. Infelizmente nada posso relatar sobre esse vôo. Conto o porquê. Estávamos eu e o Cadete Mossri, alunos escalados do Ten. Gilvan para aquele dia, aguardando a chegada do instrutor.

 

Logo que chegou, mandou o Mossri, ir para o avião, deu partida, taxiou e voltou cerca de 1,30 hs após. Não saiu da “nacele” dianteira e nem desligou o motor. O Mossri saiu e ele fez sinal para eu entrar na “nacele” traseira. Ao passar por mim, o Mossri falou-me entre dentes: “Não quero mais voar com esse cara”.

Entrei na “nacele” traseira, coloquei os cintos do para quedas e os da cadeira e aguardei sem dizer uma palavra pelo interfone. Ouvi do Ten. Gilvan: “Fecha a capota de lona”. Fechei-a e senti que o T-6 começou o taxi em direção a cabeceira da Pista. O avião decolou e só retornei a ver a luz do sol uma hora e dez minutos após. Tudo que me lembro consiste em um bando de ponteiros girando dentro de uma infinidade de “reloginhos” e os gritos, pelo interfone, do Ten. Gilvan convencendo-me que eu, de aviador, não sabia coisa nenhuma. De vez em quando ele deslocava o manche lateralmente, com violência, e conseguia acertar as minhas pernas na “nacele” traseira. O Mossii ,hoje é Coronel Engenheiro da Reserva da Aeronáutica, desconheço se foi esse vôo com o Ten. Gilvan a causa. Esse foi o meu primeiro contato com o T-6. Esse evento marcou-me durante todo o curso de Vôo por Instrumentos, a maioria deles com o Ten. Gilvan. Peguei uma má vontade com esses vôos e reconheço que fui um péssimo aluno de VI.

Logo no dia seguinte, aí sim, conheci o avião. No dia 15 de março, foi escalado para voar o T-6D 1447 com o Ten. Sérgio. Começava a minha instrução pré-solo no T-6. A seguir, meus vôos de Instrução.

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Após 8 hs de instrução, o Ten. Enio considerou-me pronto para fazer o cheque-solo. No dia 13 de abril de 1962, no T-6D 1538 fui escalado para voar com um checador, um tal de Ten. Braga. Pois é, nada mais nada menos, do que o lendário Braga da Fumaça.

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Cel Braga – Foto:T6D

O vôo foi espetacular. Após a decolagem, o Braga me instruiu para conduzir o avião para a área de instrução do 3º Ano, na época, a Barra da Tijuca. Após algumas manobras instruídas por ele e 20 minutos de vôo, ouvi pelo interfone: “Deixa o avião comigo”.

 

A princípio nada entendi. Pensei que fizera tudo errado, o Braga havia desistido de me checar e voltaríamos para o pouso pilotado por ele. Nada disso aconteceu. O Braga simplesmente iniciou uma série de manobras acrobáticas que jamais poderia imaginar. Lembro que o velocímetro chegou várias vezes a 230 milhas por hora. Fez “misérias” com aquele avião e eu, como um espectador privilegiado, sentado na “nacele” dianteira do T-6.

Imaginem uma tarde ensolarada do Rio de Janeiro, nos céus da Barra da Tijuca, vivenciando uma demonstração de pilotagem acrobática pelo homem que mais voou T-6 no mundo, o Ten. Braga da Esquadrilha da Fumaça.

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Uma das muitas apresentações maravilhosas do Cel Braga nos Afonsos

Aqui cabe um comentário particular. Como sou gaúcho e criado na fazenda de meu avô, na fronteira com o Uruguai, desde cedo percebi que o cavalo sabe quem o monta e, dependendo do desempenho do cavaleiro, ele obedece ou não aos seus comandos. Ele sente o equilíbrio, a maneira de puxar as rédeas, a pressão das pernas do cavaleiro e assim por diante. Pois bem, no vôo com o Braga, percebi que o avião é igual ao cavalo. Ele sabe quem o pilota e obedece docilmente a qualquer comando. Durante a minha vida profissional de aviador, conheci vários pilotos que o avião “sentia” quem o estava pilotando. Um dos que mais me impressionou neste aspecto, foi o Cap. Odilon Olmitives Pereira, o Macuco, confirmado em vários outros tipos de aviões que tivemos a oportunidade de voar juntos, dentre outros, o T-33, F-80, Gloster F-8, Beech E18S e o Avro C-91.

Mais adiante contarei uns dois ou três vôos que fiz com o Macuco, porém nunca fui um piloto que o avião reconhecesse. Sempre desconfiei que eles queriam fazer outra coisa em vez do que eu queria.

Voltando ao vôo de cheque de T-6 com o Braga, após as acrobacias, ouvi pelo interfone: “Cadete Danilo, assuma os comandos do avião, volte para os Afonsos e pouse na pista em uso”.

Assim fiz e rumei para os Afonsos, a pista era a 17 de grama. Confirmei pelo rádio, a direção e intensidade do vento e entrei direto na perna com o vento da 17. Fiz dois pousos com arremetida até que o Braga comunicou-me que seria o pouso final. Pousei, retornei para a cabeceira da pista 17 e ele mandou-me não desligar o motor. Saiu da aeronave, amarrou os cintos da “nacele” traseira na cadeira e disse-me:

“Você está apto a voar sozinho no T-6”. Decole e faça dois toques e arremetidas que eu vou ficar observando daqui do chão. Na hora não me dei conta da importância daquele evento, alinhei o avião com a pista e decolei. Obedeci a ordem do Braga e fiz dois toques e arremetidas voltando para a cabeceira da pista 17. O Braga subiu no avião e me mandou taxiar para o estacionamento. No trajeto para os hangares foi que me dei conta que eu agora era um piloto de T-6. A sensação foi maravilhosa e cheio de orgulho estacionei o T-6. Caminhamos lado a lado em direção ao Hangar e na minha inocência de novato, parecia que todo o mundo reconhecia, naqueles dois homens que estavam presenciando um fato raríssimo: “dois” ases da aviação militar brasileira. Este vôo constitui uma das lembranças mais marcantes de minha vida profissional como aviador.

Infelizmente, nem todos os meus colegas do terceiro ano conseguiram essa proeza. Muitos foram desligados na instrução aérea, outros simplesmente desistiram como Mossri, provavelmente após aquele primeiro vôo com o Ten. Gilvan e o Hufnagel, Júlio Max Barbosa, após um acidente com o Ten. Cunha.

Porém na aviação, como em qualquer outra profissão, nem tudo são vitórias, alegrias e satisfações. Nesse terceiro ano, aconteceram dois fatos extremamente desagradáveis que como aviador militar, deveria me acostumar e conviver com eles. Perdemos dois colegas de turma, o Gentil e o Tatá.

 

O primeiro foi o Tatá, Clovis Fonseca Menezes. Fomos juntos do Colégio Militar para a Escola de Aeronáutica. Éramos bastantes amigos, pois além de frequentar sua casa nos finais de semana, no Posto 6 em Copacabana, lá pelo mês de março de 62, ele apareceu de “armas e bagagens” na porta de meu apartamento dizendo: “Danilo, briguei com a minha mãe, por ela não querer me dar um carro, sai de casa e vim morar contigo”. Esse era o Tatá, vivia intensamente tudo na vida, parecendo saber que ela não seria muito longa.

Numa tarde de maio ou junho, não me lembro bem, o Tatá decolou com o Ten. Largura para mais um vôo de instrução de T-6. Posteriormente, pelos relatos do Ten. Largura ficamos sabendo o que aconteceu. No meio da instrução, a aeronave começou a trepidar violenta e descontroladamente. O instrutor mandou o Tatá saltar de pára-quedas, pois o avião iria cair com certeza. Parece que o Tatá ficou meio perdido com o inusitado da situação e demorou a começar a desamarrar o cinto da cadeira. O instrutor, então, mandou o Tatá olhar para ele, pois já estava desamarrado e pronto para saltar. O Ten. Largura saltou a seguir, pois o avião estava já bastante próximo ao solo. A partir desse ponto, calcula-se que o Tatá tenha saltado e na saída da aeronave o anel de velocidade do T-6, uma peça metálica que envolve o motor, pesando uns 80 kg, desprendeu-se da carenagem e colidiu com o Tatá saindo do avião, matando-o na hora.

O corpo foi encontrado com um profundo afundamento em seu crânio. Eu, no Corpo de Cadetes, em frente ao Comandante da Esquadrilha, vesti o para quedas que o Menezes usava e puxei a alça de abertura. O pára-quedas abriu normalmente.

O estudo das causas do acidente descobriu que uma das pontas do hélice havia partido ocasionando a trepidação e, consequentemente, a queda da aeronave. O Tatá faleceu por falta de sorte e mais uma vez a aviação não perdoa os pilotos que não a possuem. Um segundo antes ou após a sua decisão de saltar teria lhe salvo a vida.

A segunda perda foi a do Cadete Gentil, Antônio Gentil Ribeiro Gonçalves. Lembro-me de um jovem calmo, sereno, educado e bastante discreto. Lá pelo fim de 1962, num vôo de instrução solo e rasante na Barra da Tijuca, simulando um ataque terrestre, seu avião perdeu a sustentação e colidiu com o solo. Como estava sozinho, soubemos pouco do que, realmente, havia acontecido. Essas duas perdas marcaram todos os Cadetes que iriam formar-se no final do ano. Na Revista Esquadrilha, de 1962 da Escola de Aeronáutica dos Afonsos, os cadetes Hufnagel e Alvarez escreveram, para a posteridade, as lembranças e saudades desses dois aviadores que partiram antes do tempo.

Porém, como cantava Cazuza, o tempo não para.

Os vôos de instrução foram se sucedendo ininterruptamente. A rotina do cadete do 3º ano aviador, naquela época era: acordar 6 horas da manhã, Educação Física, Instrução Teórica na parte da manhã e vôo a tarde ou o inverso. A noite era reservado para os estudos. Próximo ao final do ano tivemos instrução de vôo noturno, de pouso com toque e arremetida. Uma hora de pousos e decolagens duplo comando e dois vôos solo na área do Campo dos Afonsos. Lembro que em um dos pousos solo, a torre apagava as luzes da pista quando estávamos na final. A rotina de vôos diários deu-nos a confiança necessária para voarmos a noite sem problemas.

Eu continuava ruim de vôo por instrumentos e dedicando-me ao máximo aos vôos de formatura, 2 e 4 aviões. Percebi que estava indo bem nesse tipo de vôo em virtude de ter sido escalado a voar de nº 3 com um colega na ala, em diversas ocasiões. Em uma ou duas delas, fizemos até algumas acrobacias.

Em junho deste ano foi ministrado aos Cadetes do 3º Ano Aviador o Curso de Sobrevivência na Selva. A instrução foi incluída no currículo do 3º Ano em virtude de que em uma emergência, além do salto de pára-quedas poderíamos cair no meio da selva Amazônica e deveríamos aprender como sobreviver e retornar a civilização, absolutamente, sozinhos. O Curso foi ministrado pelos Ten. Guaranis, Ten. Médico Landeiro e Ten. Sérgio, mais conhecido como Sérgio Macaco.

Foi aí que entrei em contato, pela primeira vez com a aeronave C-47.
C-47-2017-600x407.jpg

C-47 2017. Na verdade não é o 2017 real e sim o ex-PP-AKA doado para o Museu da Brigada Paraquedista.

Decolamos do Galeão no C-47 2017, tendo como pilotos Cap. Lino e Ten. José Luis, em direção ao posto de Diauarum, as margens do rio Xingu. Este posto era o mais avançado do Serviço de Proteção ao Índio (SPI na época), e estava sob os cuidados dos sertanistas Orlando e Cláudio Villas-Boas congregando índios civilizados e semi-civilizados de diversas tribos, tais como Caiabi, Juruna, Nu-aruaque, Kren-a-Kore e Chucarranam.

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PP-VBN, este sim, o verdadeiro C-47 2017 visto nesta foto de 2007

Voamos, entre ida e volta ao Posto de Diauarum, cerca de 16 horas. Com uns quantos “aviadores” a bordo, os pilotos escalavam o “cadetal” para servir como pilotos-automáticos em rota, evidentemente um dos pilotos ficava sempre no comando. Quando chegou a minha vez, sentei-me na cadeira do Comandante, olhei pelo pára-brisa da aeronave e vi um cenário inusitado. Só selva até o horizonte sem nenhuma referência visual em terra para me orientar. Concentrei-me nos instrumentos da aeronave para mantê-la nivelada e em rota.

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Os acontecimentos em minha vida sempre chegaram na hora certa. A poucos meses da Formatura, eu continuava um péssimo aluno de VI (vôo por instrumentos). Desde o primeiro vôo com o Ten. Gilvan, peguei uma má vontade com aquela matéria e, realmente não a estudava nem fazia questão de repetir diversas missões. Sentado na cabine do C-47, olhando aquele “marzão verde” sem nenhuma referência, pois somente tinha voado nos céus do Rio de Janeiro e com tempo bom, dei-me conta da importância da instrução do Vôo por Instrumento para qualquer um que pretendesse ser aviador.

Quando retomamos aos vôos de T-6G, apliquei-me a fundo na Instrução de VI, terminando o curso antes de muitos de meus colegas. Como os Vôos de T-6D eram-me prazerosos e possuía boas notas de avaliação prática, com o término do curso de Vôo por Instrumentos, garanti minha formatura. Nesse dia, tive certeza que seria um Oficial-Aviador da Força Aérea Brasileira.

Meu último vôo como Cadete, com 01:55 hs, foi no dia 09 de dezembro de 1962, no T-6G 1241, com o Ten. Castilho, terminando os três anos de cadete com 385 pousos e 250 horas e 45 minutos de vôo.

Uma formatura é sempre uma lembrança pessoal maravilhosa. Na realidade é o coroamento, a recompensa de todos os esforços da infância e adolescência. Neste dia, 21 de dezembro de 1962, dia de meu aniversário, além de ter sido marcante pela minha Formatura, a alvorada no Campo dos Afonsos foi especial, pelo menos para mim.

Dormi no dia anterior, na expectativa de acordar e prepara-me para um dia inteiro de festas, inclusive à noite no Baile do Clube de Aeronáutica.

O despertar não foi com o toque de clarim normal do dia-a-dia do Cadete, foi com um barulho que recordava desde infância. Quatro aeronaves F-8 do 1º Grupo de Caça deram várias passagens rasantes em cima do prédio do Corpo de Cadetes no Campo dos Afonsos.

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Pensei na hora: Isso é coisa do destino. No dia mais importante de minha vida adulta sou presenteado ao acordar, com o objeto dos meus sonhos, o avião de meu ideal. Eu, com certeza, estava predestinado a voar o Gloster Meteor. Era só ter paciência.

Entramos no 1º Ano-Aviador, 132 Cadetes. Formaram-se Oficiais Aviadores 72 Aspirantes, ou seja, 60 Cadetes foram desligados do curso, por pilotagem, durante os três anos de instrução de vôo. Isso equivale a uma taxa de atrito de 54,55%. Se levarmos em conta que ingressaram no 1º Ano da Escola Preparatória de Cadetes do Ar, em Barbacena, bem como “pára-quedistas” de 1957 a 1960, uns 400 alunos e cadetes, a taxa de aproveitamento, na minha turma, chegou a 18%.

Dos 72 Aspirantes, 30 foram selecionados para a Caça, classificados no 1º/4º Gav. Esquadrão Pacau, em Fortaleza e os 42 restantes iriam cursar a Aviação de Bombardeio e Transporte em Natal no 5º Grupo de Aviação.

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F-80 preservado no Musal

Selecionado para a aviação de Caça, teria ainda que voar o F-80 em Fortaleza, para poder voar a aeronave de meu sonho de menino, o GLOSTER METEOR F-8 em Santa Cruz, no 1º Grupo de Aviação de Caça, ou em Porto Alegre no 1º/14º Gav.

Estava chegando perto de meu ideal e o tal Curso de Caça e um tal de F-80 não iriam impedir-me de chegar lá. Seria apenas mais uma etapa para eu poder atingir o topo. A sorte já havia sido lançada tempos atrás.

No dia 07 de fevereiro de 1963, embarcamos no C-54 2404, comandado pelo Cap. Vidal, rumo a Fortaleza, para um ano inteiro dedicado a aprender a voar um avião de caça.

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Capítulo 5

 

Meu primeiro contato com a pilotagem da aviação a jato foi no dia 03 de abril de 1963, no T-33 4312, tendo como instrutor o Cap. Barros (Barrinhos) e durou uma hora.

Minhas horas de instrução de T-33 foram:

03/04/63

T-33

4312

01:00:00

Cap Barros

FZ

09/04/63

T-33

4319

01:15:00

Cap Barros

FZ

13/06/63

T-33

4318

01:00:00

Ten.B Silva

NT

18/06/63

T-33

4316

01:00:00

Ten Starling

NT

19/06/63

T-33

4316

01:05:00

Ten. Carrilho

NT

20/06/63

T-33

4311

01:00:00

Ten. Rai

NT

20/06/63

T-33

4319

01:05:00

Ten Pereira

NT

02/07/63

T-33

4316

01:00:00

Ten Pereira

NT

No dia 04 de julho, no T-33 4316 tendo como checador o Cap. Carvalho, após 8hs e 25 minutos de instrução, fiz o cheque (exame prático de pilotagem) para voar sozinho num jato de caça.

O vôo durou exatos 60 minutos e ao final, deixei o Cap. Carvalho na sede do Esquadrão e voei sozinho num avião a jato. Foi apenas o primeiro passo, importante por sinal, para me tornar um Caçador.

Reconhecia-se na decolagem de T-33 os alunos de caça. Como tinha um “booster” de aileron (asa) e o manche ligeiramente torto para a esquerda, logo após sair do chão “batia asas”. Por ter uma docilidade de comandos, devido ao “booster”, quando o piloto em instrução puxava o manche para tirar o avião do solo, fazia-o torto e a aeronave baixava a asa, normalmente, para a direita. Ao tentar consertar, inclinava a asa para a esquerda e assim por diante até acostumar-se com uma pilotagem diferente das aeronaves já voadas.

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T-33A “Shooting Star” no Musal

No dia 22 de julho, após um “briefing” sobre as diferenças entre o T-33 e o F-80, finalmente voei um veterano avião de Caça. Voei no F-80 4209 uma hora e dez minutos.

O F-80 foi um Caça-Bombardeiro, fabricado pela Lockheed, mono posto, equipado com um motor Allison J-33 com 5.400 libras de empuxo. Seu teto operacional era de 46.900 pés e seu alcance de 1.090 milhas náuticas. Seu armamento era composto de 6 metralhadoras calibre .50 e 5 “pontos duros” subalares para foguetes e/ou 2.000 libras de bombas.

Voar o F-80 era muito bom. Era ruim de partida de motor, porém após isso o avião era uma delícia. Ele possuía o tal “booster” de aileron, ou seja, uma bomba hidráulica que multiplicava a força aplicada no manche, o que tornava sua pilotagem bastante suave. Em comparação ao T-6, o avião que conhecíamos, o F-80 foi uma experiência maravilhosa, pois foi ele quem me promoveu a piloto de caça. Eu tornara-me um piloto militar, pois eu voava equipado com um macacão anti-G, máscara de oxigênio, colete salva-vidas (caso caísse no mar), armado, sim armado, pois uma arma de defesa pessoal, em solo inimigo, talvez fosse o único meio de sobrevivência, cadeira de ejeção, seis metralhadoras e voava onde poucos pilotos brasileiros, naquela época, podiam voar, ou seja, acima de 10 mil metros onde o céu é mais escuro.

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Linha de voo dos F-80 do 1º/4º GAv.

Notar que nessa época, não haviam aviões a jato de passageiros e em conseqüência não haviam outros pilotos que voassem naquela altitude. E tem mais, os “Shotting Stars” brasileiros, como eram conhecidos os F-80 adquiridos dos EUA, eram veteranos de guerra. Vieram da guerra da Coréia, alguns com cicatrizes de combate, diretamente para o Brasil.

Como meu ideal era o Gloster Meteor, avião de caça a jato mono posto, o F-80 foi a certeza que atingiria o meu sonho de menino.

De abril até dezembro daquele ano, a pista de pouso de Fortaleza foi interditada para reformas e melhoramentos. Os Aspirantes a Caçador alternavam-se em cada semana, para voarem o T-33 e F-80 em Natal. Os aviões do 1º/4º Gav haviam sido deslocados para BANT no Rio Grande do Norte.

Os deslocamentos entre as duas cidades eram feitos com os aviões da FAB que passassem na rota. Assim, tive a oportunidade de voar pela primeira vez no dia 06 de junho o C-82 2711, porém, o normal era o B-25 da Base Aérea de Fortaleza (naquela época os B-25 eram os aviões administrativos das Bases Aéreas).

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B-25 – Foto: Jerry Thompson

Os vôos no B-25 5065 da BAFZ eram realmente muito divertidos. Meu primeiro vôo de B-25 foi no dia 26 de junho daquele ano. O avião, um bombardeiro médio, possuía um nariz de “vidro” destinado ao tripulante responsável pelo lançamento das bombas. Havia um “túnel” de acesso para o “nariz”, abaixo das cadeiras dos pilotos e dali podíamos ter uma visão maravilhosa da paisagem daquelas terras nordestinas. Chamávamos, jocosamente, “voar de meleca”.

Neste ano fiz um vôo numa aeronave que desconhecia completamente: o C-46 da FAB. Foi no dia 04 de maio de 1963, no C-46 2058 comandado pelo Cap Vercesi.

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Como eu era noivo no Rio, nos fins de semana prolongados, eu pegava qualquer avião que fosse para o Rio nas sextas-feiras, voltando no domingo de comercial. Numa dessas vezes, fui de C-46. O Cap. Vercesi colocou-me de “piloto-automático” por mais de duas horas. Pela primeira vez, pilotava um avião “grande” e confesso que não gostei muito, confirmando a minha impressão daquele vôo da inauguração de Brasília de C-54, de que aviões grandes não eram a “minha praia”.

O ano foi passando, os deslocamentos entre as cidades feitos constantemente e uma das coisas boas desta época, foi que reencontrávamos todas as semanas, os colegas de turma que tinham sido classificados em Natal. Assim a minha Turma ficou unida mais um ano em comparação com todas as outras turmas.

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Minha turma de caçador, 1963, não conheceu o stand de Aquiraz em Fortaleza. Não deu tempo. Com a reforma da pista em Fortaleza e os constantes deslocamentos para Natal, não tivemos a fase operacional militar, ou seja: lançamentos de bombas, foguetes, tiro terrestre e aéreo. Em compensação, o treinamento de formatura, 2 e 4 aviões e combate aéreo, foram bastante extensos.

Não lembro o dia nem o nº do F-80, mas recordo-me do vôo que foi até divertido. Como o avião de caça só tem armamento virado para frente, para abater o “inimigo” é necessário posicionar-se atrás dele. Uma das manobras típicas de treinamento de combate, o instrutor posiciona-se atrás do avião do aluno e este tem que fazer o possível e o impossível para tirá-lo dessa posição e se for capaz, inverte-la. Existe uma infinidade de manobras para se conseguir fazer isso. Um piloto alemão da 1ª Guerra Mundial, MAX IMMELMAN inventou uma manobra, que tomou o seu nome, que invertia facilmente as posições relativas dos aviões em combate. Consistia em dar um meio touneau no topo do looping. O “inimigo que estava atrás, continuava no looping e o Immelman deixava-o passar e mergulhava atrás dele. Outra manobra, mais convencional consistia em diminuir ao máximo a velocidade, praticamente no pré-stall e fazer curvas para um lado e outro. Como há um retardo entre os inícios da manobra, o avião de trás, se o piloto não for hábil, poderá passar a frente do outro avião.

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Pois bem, em um belo dia, eu estava na posição 2 numa formatura de 4 aviões nos céus de Natal.. O líder da formatura, Ten. B. Silva, iniciou a tal manobra com o intuito de passar para trás do meu avião.

Imediatamente, reduzi o motor e levantei o nariz do avião para “matar” a velocidade. Por mais que me esforçasse, sentia que a distância que nos separava diminuía drasticamente. Puxei mais ainda o manche para trás e no pré-stall subia cada vez mais impedindo, dessa maneira, que eu o ultrapassasse. Piloto inexperiente, preocupado com meu avião que trepidava muito no pré-stall, perdi o líder de vista.  O Ten. B.Silva perdeu sua Esquadrilha e voltou sozinho para o pouso. O avião nº 3, pilotado por um instrutor, conduziu-nos de volta.  Levei uma bronca fenomenal após o pouso, porém eu consegui não ultrapassá-lo.

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Estávamos praticamente no final do ano e os Aspirantes não tinham as horas mínimas e  necessárias de vôo, para serem promovidos a 2º Tenente Aviador em função da reforma da pista. A solução da FAB, foi deslocar uns T-6 oriundos de diversos lugares, para a Base Aérea de Fortaleza.

Como já havia passado uns 8 meses que não voávamos os T-6, tivemos que ter novamente, um re-solo naquela máquina. O meu re-solo foi com o Ten. Russo no T-6 1282 no dia 3 de setembro, lembro-me bem. Era mais ou menos meio-dia e aquele vento constante do litoral nordestino soprava regularmente e para variar, em torno de 90º com a pista do Cocorote (pista secundária e pequena da Base de Fortaleza). Decolamos e fiz três aproximações e toques e arremetidas na pista. O Ten. Russo solou-me por que eu estava arremetendo com segurança. Na verdade, não consegui pousar nenhuma das vezes. Bom, eu estava re-solado e poderia completar minhas horas de vôo para a promoção. É claro que meu primeiro vôo solo em Fortaleza de T-6 foi a tardinha quando o vento acalmava. Confiante após os primeiros pousos, enfrentei a “ventania nordestina” em todos os períodos do dia completando minhas horas de vôo.

Não sei como não houve nenhum acidente naquela ocasião. Lembro que uma vez, combinamos de nos encontrar ao sul de Fortaleza para juntos e em formação de 4 aviões, evidentemente longe dos “olhos dos instrutores”, darmos uns rasantes em cima da casa de umas cearenses. Imaginem 4 “manicacas” de T-6, dando rasantes e fazendo acrobacias a baixa altura como se fossemos da Esquadrilha da Fumaça. Dizem por aí que Deus é brasileiro, eu acredito firmemente que Ele era, não só brasileiro mas também caçador.

Confirmando isso, dois acidentes, sem vítimas, aconteceram neste ano. O primeiro foi com o Aspirante Manoel Carlos Pereira no dia 12 de agosto com o F-80 4203 que fez um pouso forçado em um carnaubal em São Gonçalo do Amarante, município vizinho de Natal. O pouso foi perfeito sendo que uma das carnaúbas da plantação chocou-se com a entrada de ar esquerda do F-80 machucando levemente a perna do piloto. Foi um grande susto para todos nós.

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F-80C exposto no MUSAL

Um fato interessante e atual, é que nesse município está sendo construída a nova pista Internacional de Natal (RN). O que o Prefeito talvez não saiba é que, há 50 anos, um avião a jato “inaugurou a pista” que só agora está sendo construída no mesmo local do tal “pouso.

Outro acidente foi com o Aspirante Celso de Andrade Teixeira em 19 de setembro de 1963 também em Natal.

Estávamos em uma Esquadrilha de 4 aviões. O líder era o Ten. Russo, eu como nº 2 no F-80 4211, o Ten. Starling como nº 3 e o Asp. Celso como nº 4 no 4210. Voamos uma hora de treinamento nos céus de Natal e voltamos para o pouso.  Já na altitude do tráfego e antes de entrar na final para o pell-off, ouvimos pelo rádio: “Copas, Nº 4 com motor apagado”.

Ficamos rodando em círculos em cima do avião do Celso até ele pousar fora da pista. Não víamos movimento dentro da nacele, porém ele estava vivo e sem arranhões. O pouso fora da pista foi “quase normal” e o Celso saiu ileso. Mais tarde ele nos contou que demorou em desamarrar-se e a abrir o Canopy do F-80, razão pela qual não víamos movimento lá de cima.

F-80-4210.jpg

O avião do Celso, F-80 4210, após o “pouso”

Aqui cabe um comentário sobre a aeronave que voávamos.

O F-80 como o T-33 e mais tarde o TF-33, incorporavam tanques de combustíveis externos e nas pontas das asas, chamados de “Tip-Tanks”. Pois bem, o combustível desses tanques tinham que ser transferidos para o tanque central que alimentava o motor. A transferência era simples e toda vez que cruzávamos 5.000 pés na subida, desligávamos as bombas das asas, permitindo, prioritariamente, a transferência do combustível dos Tip-Tanks para o tanque da fuselagem. Na descida, ao cruzarmos 5.000 pés, todos os interruptores de todas as bombas deveriam estar ligados.

Sustos sobre combustíveis por esquecimento em ligar as bombas abaixo da altitude, todos os Aspirantes tiveram. Esquecer até podia, o que não podia acontecer é o motor parar. A partida em vôo a baixa altura num jato monomotor é complicado.

Um vôo que levei um susto danado agora de T-6, veio-me a lembrança. Como já escrevi anteriormente, completamos as horas de vôo necessárias para a promoção voando T-6. O vôo em si, era muito chato, pois decolávamos para ir a lugar nenhum e pousávamos de volta em Fortaleza. Um vôo isolado e só para fazer “hora”. Como na época se ganhava por hora de vôo, os Sargentos de Vôo se ofereciam para ocupar as nacele traseira dos aviões. Sem problemas e num belo dia voei com um Sgt. chamado Assunção, considerado “bom de vôo”. Lá em cima, em pleno vôo, mandei-o segurar o manche e ensinei-o a pilotar reto e nivelado.

Entregava os comandos a ele com o avião bem alto, todo equilibrado e compensado. Como o Sgt. era “bom de vôo”, resolvi ler um romance que tinha iniciado no dia anterior e trazido no bolso do macacão. Teve uma fase de minha vida que virei “rato de biblioteca”.

Fiquei tão absorvido pela leitura que esqueci que quem pilotava o avião não era piloto. De repente, percebi pelo canto dos olhos, algumas sombras passando pelas janelas laterais do T-6. Olhei para frente e vi uma palmeira que se aproximava rapidamente do nariz do avião. Estava rasante no meio de uma plantação de palmeiras. Dei um puxão violento no manche e passamos raspando pela copa da árvore. Devo ter deixado o compensador horizontal um pouco abaixo do neutro e o avião veio descendo lentamente sem que o sargento percebesse. Já comentei anteriormente que o aviador tem que ter sorte. Estou contando este fato pela primeira vez.

Outro vôo muito gozado, foi no dia 12 de setembro no avião T-6 1688 com o 3ºSgt. Ferreira. Antes do vôo, confidenciou-me que tinha trazido sua namorada para vê-lo voar. Pediu-me para fazer acrobacias em cima da Base. Achei interessante a sua iniciativa e decolei com o firme propósito de fazer umas cambalhotas para impressionar a namorada do Sargento Ferreira.

Subi e solicitei permissão para a Torre de Controle para efetuar algumas acrobacias bem em cima da Base e longe do tráfego das aeronaves civis. Permissão concedida iniciei com um looping.

Qual não foi a minha surpresa que, quando o avião passou no dorso (de cabeça para baixo), deu um tonneau rápido descontrolado e saiu com o nariz voltado para o chão. Tentei por várias vezes dar um looping normal e não consegui. Desisti do looping e tentai um tonneau barril. O T-6 reagiu mais violento ainda com a mesma manobra descontrolada. Tentei vários tipos de acrobacias e não consegui fazer nenhuma delas.

Voltei para o pouso chateado e com o firme propósito de pedir desculpas para o Sgt. Ferreira e sua namorada. Aquele dia eu devia estar péssimo e devo ter feito uma bagunça danada nos céus de Fortaleza.

 

Quando descemos do avião, o Sgt. Ferreira encarou-me com a “face iluminada”, um sorriso de orelha a orelha. Agradeceu-me comovido e disse-me que nunca tinha pensado que um dia voaria com um “piloto da Fumaça”. Ao afastar-se abraçado com sua namorada, outros sargentos vieram cumprimentá-lo pelo vôo maravilhoso que tinham visto. Mais tarde, conversando com o mecânico do T-6, soube que aquele avião havia sofrido um acidente e tinha entortado a sua fuselagem. Por isso, quando o piloto puxava alguns “G”, as forças aerodinâmicas obrigavam-no a dar um giro horizontal. Ta bom então……

No mês de outubro fomos promovidos de Aspirantes a 2º Tenentes Aviadores. E com treinamentos de vôos já operacionais, chegamos ao final do ano e recebemos o Diploma de término do Curso de Caça. Foi uma solenidade bonita e recebi meu Diploma das mãos do Major Carvalho, Operações do 1º/4º Gav, Esquadrão PACAU.

Chegamos em Fortaleza 30 Aspirantes e formaram-se 18 Caçadores. Eu fui classificado em Santa Cruz junto com mais 11 no 1º Grupo de Aviação de Caça e os 6 restantes foram transferidos para o 1º/14º Gav em Porto Alegre.

Todos voariam o Gloster Meteor F-8.

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Capítulo 6

 

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Em 10 de março de 1964, no F-8 nº 4438 fiz meu vôo solo.

Havia chegado o grande dia!

Para mim, era mais um dia normal. Notei, porém que parecia um dia diferente e não sabia o porquê. Recém casado, ainda em plena lua-de-mel, acordei, vislumbrei feliz minha mulher que ainda dormia e olhei para a janela. Estava um dia maravilhoso, um dia de céu claro, sem nuvens e a temperatura agradável dos meses de março no Rio de Janeiro.

Cheguei no “Segundão” na hora do início do expediente, verifiquei o “Quadro da Escala do Vôo e havia sido escalado para voar solo, as 9 hs no F-8 Nº 4438. 20 minutos antes da hora marcada, peguei o equipamento de vôo e dirigi-me para a pista de estacionamento, no pátio sul do Hangar “do Zepelim”.

Esperava-me o Cb. Lair ao lado do avião 4438. Informou-me que o avião estava totalmente disponível, sem panes, e entregou-me o registro de vôos da aeronave. Todo o ritual pré-vôo cumprido, sentei-me na cadeira do piloto. Ajudado pelo mecânico a amarrar-me, para quedas e cadeira, coloquei o capacete de vôo, fiz as conexões de radio/oxigênio, e preparei-me para dar a partida nos motores. Por incrível que pareça, ainda não tinha me dado conta que estava prestes a voar o avião de meus mais belos sonhos de criança.

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Gloster Meteor. F-8 nº 4438

Dei a partida nos motores e taxiei para a cabeceira da pista 04. Autorizado a decolagem, via rádio, alinhei o avião na pista, efetuei o cheque de decolagem e empurrei as manetes de potência todas à frente. Decolagem normal, trem de pouso recolhido, “comecei a pegar” velocidade.

A partir de 200 nós, eu levei um “susto”.

Iniciava-se nesta velocidade o barulho característico do F-8. Diferente do TF-7, o F-8 possuía instalado no seu nariz, quatro canhões de 20 mm. A força do vento na boca desses canhões provocava um barulho surdo que encantava a todos no solo e que desde garoto eu sonhava com aquele barulho: o som de meu ideal. Eu não sabia que o piloto, de dentro da aeronave, ouvia o mesmo barulho dos que estavam no chão.

Nesse exato momento, extasiado pela surpresa, dei-me conta que estava vivenciando, na realidade, um sonho e senti-me o homem mais feliz do mundo, havia alcançado o meu ideal de vida. Foi a segunda vez que agradeci a Deus uma graça alcançada. Olhei para aquele subúrbio do Rio de Janeiro e imaginei, em uma daquelas casinhas, ficando cada vez menores, um menino de uns 12/14 anos, ao ouvir o som do F-8 e extasiado olhando aquele “pássaro” de bico vermelho, dizendo para si mesmo num murmúrio: “ainda vou voar aquele avião”.

Antes não, porém agora eu sabia que o Gloster Meteor. era um Caça-Bombardeio inglês, monoplace, equipado com duas turbinas Rolls-Royce modelo Derwnt 8, velocidade máxima de 590 mph, armado com 4 canhões de 20mm e uma capacidade de carregar sob as asas, dentre outras opções, 2 bombas de 450 k ou 4 foguetes HVAR 5.

Voltando ao início do ano, apresentei-me na Base Aérea de Santa Cruz, Rio de Janeiro, no dia 27 de janeiro de 1964 e classificado no 2º/1º Gav. Ca, Esquadrão Rompe Mato, em 19 de fevereiro do mesmo ano.

Após a instrução de solo da aeronave F-7. minhas horas de instrução foram:

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Após 05h15min duplo comando fui considerado apto a pilotar o TF-7 tendo sido checado pelo Maj. Dias. Como aviador jovem não tinha ainda me dado conta da importância desse vôo. Eu estava me tornando um piloto efetivo do 1º Grupo de Aviação de Caça da Força Aérea Brasileira de tantas glorias e tradições desde a II Guerra Mundial.

O vôo solo no TF-7 foi tranqüilo e despreocupado. O hábito de voar uma nova aeronave já não me causava qualquer tipo de ansiedade. Voar era a minha vida, a minha profissão, meu “hobby”, a minha diversão.

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TF-7 Nº 4308 do 1º Gav Ca

Hoje, recordando meus tempos de aviador, dou-me conta que nunca “trabalhei” no sentido denotativo da palavra trabalho. Eu passei toda a minha vida profissional me divertindo. Durante todos esses anos, e foram mais de 40, levantei todas as manhãs com aquela alegria, prazer e vontade de ir “trabalhar”. Creio ter acertado na escolha que fiz em ser aviador, caçador brasileiro melhor ainda.

Voei F-8 no 1º Gav.Ca durante 5 anos até ele ser retirado de serviço em 1968. Meu último vôo, como também daquela aeronave, foi no nº 4455 entre as cidades de Londrina e Rio de Janeiro no regresso da “Operação Xavante” que comentarei mais tarde. Quando o 4455 começou a ser desmontado, retirei pessoalmente a cabeça do manche e coloquei-o num pedestal de madeira.

Guardo-o com muito carinho essa lembrança, pois representa, fisicamente, a realização de um ideal de vida.

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Cabeça do manche do F-8 nº 4455

Comparando com o que diz o dicionário sobre a palavra ideal, como a síntese de tudo o que aspiramos, de toda a perfeição que concebemos ou se pode conceber, ou ainda aquilo que é objeto da nossa mais alta aspiração intelectual, estética, espiritual, afetiva ou de ordem prática, o meu ideal, em particular, acredito ter sido muito estranho, ou pelo menos diferente. Meu ideal era voar um determinado avião, não qualquer um, mas, especificamente o F-8. Não era um projeto de vida, algo permanente ou qualquer outra coisa duradoura. O meu ideal realizou-se num átimo de segundo, no momento exato em que ultrapassei a velocidade de 200 nós e ouvi, de dentro do “cockpit”, aquele ruído característico das aeronaves F-8 em vôo. A felicidade daquele momento durou toda a minha vida profissional e continuou após minha passagem para a reserva da FAB, mesmo voando aviões Ultraleves.

Lembro-me, com exatidão, de vários vôos daquela época.

O primeiro deles, quase fui preso por um General do Exército, anos mais tarde Presidente da República, Emílio Garrastazu Médici. Em 1964, ano da Contra Revolução, ele era o Comandante da Academia Militar das Agulhas Negras tendo o meu pai, na época Coronel do Exército, como seu Diretor de Ensino.

Logo após o solo de F-8, eu estava tão contente que queria mostrar o que tinha conseguido aos meus pais. Moravam na Vila Militar em Rezende, Estado do Rio, onde situa-se a Academia Militar das Agulhas Negras do Exército.

Decolei de Santa Cruz e rumei, imediatamente para Resende. Ao chegar a cima da cidade, bastante alto, localizei a casa de meus pais na entrada da Escola. Mergulhei fundo e a poucos metros do chão, devia estar com uns 500 nós de velocidade, mais ou menos uns mil km por hora, passei em cima da casa e ao ultrapassar o portão da Escola, alinhei com a entrada monumental que terminava no prédio do Comando. Passei por várias vezes pelo mesmo caminho fazendo diversas acrobacias. Satisfeito, pois meus pais deveriam ter-me notado, regressei para Santa Cruz feliz da vida.

Portão da AMAN com o Prédio do Comando ao fundo
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Entrada da AMAN

A noite, daquele dia, eu estava em casa, jantando com minha mulher, quando ouvimos alguém batendo na porta. Levantei-me e fui atender. Surpresa completa: na porta estava meu pai, sozinho e com um ar bastante sério. Quase não nos cumprimentou e disse-me em tom grave:

“Meu filho, a próxima vez que fizeres o que fez hoje, em Rezende, vou te dar 30 dias de cadeia por indisciplina.” Nem entrou na minha casa despediu-se e retornou para Rezende.

Tempos depois, minha mãe relatou-me o que tinha acontecido naquele dia na cidade e na Academia Militar do Exército. Disse-me ela que eu havia passado tão baixo, em cima da casa, que a roupa do varal de secagem, no quintal, enrolou-se toda na corda. O jornal da cidade, no dia seguinte, postou um artigo de primeira página, comentando o vôo do jato em cima da cidade o que, praticamente, dividiu-a. Uns achavam que o piloto da FAB era um irresponsável e indisciplinado, outros que o achavam um herói, pois tinha presenteado a população com um “show” de acrobacias e os tinha retirado de uma rotina de cidade do interior. O relato de minha mãe não acabava ai. Contou-me que ao ouvir o som característico do F-8, meu pai e o General Médici dirigiram-se para a varanda do Gabinete do Comando que ficava situado no 3º andar do prédio e bem na frente da entrada monumental da Escola.

Em uma das passagens, ultrapassei o portão de entrada e “colei” o F-8 no chão. Pouco antes do prédio, puxei o manche com violência e passei raspando no teto da edificação.

Meu pai e o General Médici jogaram-se no chão.

Disse minha mãe que só não fora preso ao pousar em Santa Cruz por que os dois eram muito amigos e o General Médici recomendou ao meu pai que me admoestasse verbalmente.

Bem, aqui cabe um comentário particular. As famílias de meus pais e a do Gen. Médici, ambas de Bagé no Rio Grande do Sul, eram amigas de várias gerações. Eu, desde pequeno, chamava o General Médici pelo seu apelido familiar, “Tio Milito”. Sempre serviram juntos o Exército em Bagé, Porto Alegre, Rezende e em Brasília. Por essas razões foi que a FAB nunca soube da temeridade e indisciplina de um de seus pilotos de Caça.

O evento ficou restrito a ambas as famílias, embora tenha interrompido a instrução dos Cadetes do Exército naquele dia.

Nunca mais passei voando perto daquela cidade……..

Como já comentado, foram quatro anos voando no meu ideal. Vários vôos foram memoráveis e inesquecíveis dentre muitos realizados, pois voávamos todos os dias e muitas vezes a noite.

Um deles foi minha primeira viagem de instrução de TF-7 nº 4307, entre os dias 17 e 19 de setembro de 1964, para Fortaleza tendo como instrutor o Ten. Danilo Orlando.

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TF-7-4309 MUSAL

O Ten. Orlando era um ano mais antigo que eu e o conhecia bastante bem, pois alem de termos o mesmo nome, convivemos vários anos na Escola de Aeronáutica como cadetes. Tinha uma personalidade introvertida, jamais fazia qualquer brincadeira e raramente o vimos sorrir. Levava tudo muito a sério e como era um atleta e aparentemente muito forte, logo seus colegas de turma lhe aplicaram um apelido bastante peculiar de “Alavanca”.

Escalado para a viagem, decolamos de Santa Cruz as 16 h com a previsão de pousos intermediários em Vitória, Salvador e Recife. Na etapa Recife – Fortaleza, decolamos em torno da meia noite e na subida para 25 mil pés comecei a sentir que algo não estava bem. Em cada etapa, trocávamos de posição na nacele do TF-7. Ao decolarmos de Recife, o Alavanca estava pilotando na cadeira dianteira e eu atrás, distraído e admirado com a lua cheia emoldurada por aquele céu estrelado peculiar da região nordestina.

Em certo momento, ao cruzarmos 20 mil pés, comecei a ouvir alguns sons do Alavanca pelo interfone. Cantarolava uma canção italiana, lembro nitidamente dos acordes do “Sole Mio”. Achei estranho, devido a sua personalidade, e o chamei pelo interfone:

- Orlando, está tudo bem? 

Sua resposta foi desconexa e comentou que a noite estava maravilhosa, o céu lindo como uma poesia noturna, o infinito do céu com suas estrelas davam-lhe a dimensão do universo e as luzes da cidade pareciam brilhantes bordados em um veludo azul marinho.

Imediatamente soou um alarme na minha cabeça. Alguma coisa estava errada e muito errada. Rapidamente recordei tudo o que havia aprendido, lido e ouvido sobre aviação tentando encaixar uma reação tão estranha de um piloto que conhecia bastante bem. Localizei as reações do Orlando quando me lembrei dos treinamentos que fizemos ainda cadetes, na Câmara de Descompressão. Ele estava sofrendo os efeitos da anóxia, ou seja, falta de oxigênio.

Notei, também, que meu raciocínio estava um pouco lerdo, porém com o alarme na minha cabeça, devo ter lançado alguns “litros” de adrenalina no meu sangue e acionei o interfone: O diálogo nesse momento foi:

- Orlando, meu amigo, você está vendo uma torneira redonda, a direita na parte inferior do painel?

- Estou sim, tem uma lá.

- Orlando, então coloque a mão direita nela e gire-a no sentido anti-horário, como se abrisse um registro d’água.

- Ta legal vou fazer isso porque você está pedindo, mas não sei o que você está querendo.

Imediatamente, senti uma lufada de oxigênio enchendo meus pulmões e invadindo o meu cérebro, clareou o meu raciocínio. O mesmo aconteceu com o Alavanca.

Quando ele assumiu conscientemente os comandos da aeronave, demo-nos conta que estávamos voando em direção nordeste, praticamente para o meio do oceano Atlântico. Retornamos na direção de Fortaleza e como ainda estávamos no início do vôo, tivemos combustível suficiente para chegarmos tranquilamente em Fortaleza.

O que aconteceu, foi que no cheque após a partida dos motores, o Orlando havia esquecido de abrir a torneira do Oxigênio. Ao contrário do F-8, o TF-7 não fornecia oxigênio automaticamente após a partida.

Tínhamos então de abrir o Oxigênio para as máscaras de vôo através de uma válvula situada a direita e a baixo do painel dianteiro da aeronave. Se eu não conhecesse bem a personalidade do Orlando, teríamos caído no mar e no meio da noite, inconscientes e a umas 200 milhas após Fernando de Noronha, em direção da Europa. Ninguém iria saber o que tinha acontecido, bem como as causas do completo desaparecimento daquela aeronave.

O Alavanca, como era de se esperar, nada comentou comigo.

1964 foi o ano da chamada Revolução, que nada mais foi do que uma Contra-Revolução. Afirmo isso por que um meu instrutor de caça de Fortaleza afirmou a um colega caçador que se o comunismo tivesse sido o vencedor, seria ele, o instrutor, que estava escalado para matar meu colega caçador. Este era declaradamente contra a implantação de um regime comunista no Brasil. Parece mesmo que a revolução comunista estava planejada detalhadamente.

Durante o mês de maio, executamos várias missões operacionais de intimidação em função da Contra Revolução.

Em uma delas, 4 F-8 decolaram de Santa Cruz, comandadas pelo Cap. Gaio (José Macieira), para Santos (SP) em virtude de um protesto esquerdista nas Docas de Santos.

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Ao entrarem no canal, a baixa altitude, em torno de 300 kt, o F-8 do líder, Cap. Gaio, bateu em um fio de alta tensão que atravessava o Canal. O avião, com o choque, foi jogado em direção ao mar e afundou ocasionando a morte do piloto. Esse acidente creio que foi o único “atrito”da FAB no período bélico revolucionário.

Nessa fase pós-revolução fizemos varias manobras e treinamentos com o Exército em Missões de Apoio Aéreo Aproximado. Em uma manobra conjunta com o Exército, na área de Macaé, RJ, decolamos com 8 Gloster. Após, aproximadamente, uma hora de vôo e finda a missão regressamos a Santa Cruz pelo litoral. No regresso a vinte mil pés e já adentrando na área da restinga da Marambaia, alcançamos várias pequenas explosões a frente das aeronaves.

No início ninguém entendeu nada até que alguém gritou pelo rádio: “É flack!!!! É flack!!!!

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O líder, imediatamente, fez um “break”(curva apertada) para a direita. Nenhum avião foi atingido. Mais tarde, já no solo, confirmamos que havia um Aviso Aeronáutico proibindo o sobrevôo daquela área em virtude de um treinamento de tiro anti-aéreo executado pelo Exército. Aqueles oito pilotos foram os únicos a vivenciarem um ataque real de canhões anti-aéreos, desde a campanha do 1º Grupo de Caça na Itália. No Brasil, só nós e os veteranos de guerra tiveram esta experiência.

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Um vôo interessante, agora de L-6 “Paulistinha”, foi por ocasião do acidente, de F-8 matrícula 4453.

No dia 05 de agosto de 1964 o Cel. Berthier decolou para uma missão isolada com uma autonomia de vôo, de aproximadamente uma hora de duração. Quando a autonomia do Gloster havia chegado ao fim e a aeronave não havia pousado, tivemos certeza que o Comandante acidentara-se em algum lugar da área de instrução, acima das montanhas da Serra do Mar em direção a São Paulo. Foi montado na Base, logo a seguir, um Plano de Busca. Iríamos voar toda a área até localizar os destroços da aeronave. Fui escalado para voar na aeronave L-6 em um dos setores selecionados. Estava um céu claro e com boa visibilidade.

Cheguei ao portão norte do hangar e o L-6 nº 3089 estava lá me esperando. Mandei chamar o mecânico, Cb. Queiroz, por um motivo bastante simples. Eu nunca havia voado um L-6 e não sabia nem dar a partida no motor. Auxiliado pelo mecânico, dei a partida no avião, taxiei para a cabeceira da pista e decolei.

 

 

 

Na subida, fiz um “stall” (reduzir o motor e deixar o avião nivelado até que ele perca a sustentação) para saber qual a velocidade mínima que o avião voava. Prossegui subindo e voei, aproximadamente, uma hora.

Notei, durante o vôo, que uma varetinha, bem a frente do piloto, estava gradativamente diminuindo de tamanho. Desconfiado, interrompi a busca e voltei para o pouso sem localizar os destroços.
Dias mais tarde, ao comentar com alguns outros pilotos, o movimento estranho daquela varetinha soube que era o medidor mecânico do nível de combustível no tanque da aeronave. Ainda bem que havia interrompido aquele vôo, pois poderia ter ficado sem combustível e seria mais outro avião para procurar os destroços no meio das montanhas vizinhas a Santa Cruz.

Os destroços do avião do Cel. Berthier foram encontrados no sopé de uma montanha, próximo a Santa Cruz, em direção a São Paulo. Soubemos mais tarde que ele entrara em combate com uma Esquadrilha de 3 aviões que cumpriam uma missão de treinamento naquela área. 3 contra um, realmente, o Cel. Berthier não tinha nenhuma possibilidade de êxito. Para não ser “encaudado”, adentrou nas nuvens que cobria a Serra do Mar, colidindo frontalmente em uma montanha. O Cel. Berthier era um bom piloto, sabia disso e era vaidoso. Lembro que morava na Zona Sul do Rio e nos finais de expediente escalava a um “novinho” para levá-lo ao Santos Dumont de Fokker T-22. Em uma dessas “pernadas” fui escalado. Durante o vôo de ida, falou-me e executou o que considerava ser um bom piloto. Abriu uma caixa de fósforos e a colocou em cima do painel do T-22. A seguir, fez um tounaux a baixa altura e nenhum palito caiu da caixa aberta. Desconheço o porquê de nunca ter tentado fazer isso.

Essas histórias destinam-se a relatar somente “causos’ de aviação, porém vou abrir uma exceção.

Em meados de junho ou julho, fui escalado a Oficial de Dia da Base. Como estávamos vivendo um período revolucionário, cheio de ameaças de terrorismo por parte dos vencidos, reuni a equipe de serviço naquela noite e dei instruções bastante precisas. Qualquer pessoa que circulasse perto da entrada da Base, o militar de serviço, um soldado, deveria prendê-la e trazer-me para averiguações. Não deu outra…..

Naquela noite o Comandante da Base, Cel. Burnier, havia convidado o Cmt. do Quartel de Engenharia Vilagran Cabrita, também sediado em Santa Cruz, para um jantar.

Após eu soube, que os dois comentavam a fragilidade das instalações da Base devido a sua enorme área e a falta de consciência dos subalternos do que estava acontecendo no País. Para provar isso, o Cel. Burnier sugeriu seu convidado a irem a pé até o Portão da Guarda da Base.

No meio do caminho, em frente a Vila dos Oficiais, ouviram uma voz saindo da escuridão da noite:

- Alto!!!! Identifiquem-se!!!

O Cel. Burnier tentou identificar-se, mas o soldado nem ouviu, engatilhou o fuzil e gritou:

- Mãos ao alto, atrás da cabeça, e caminhem em direção ao Portão da Guarda!!!

Qual não foi a minha surpresa ao ver o Comandante da Base, acompanhado por outra pessoa, rendidos por um pracinha, sob meu comando e de mãos ao alto, adentrando na Base. O susto, as desculpas e explicações foram imediatas. O soldado declarou que estava muito escuro e que não reconheceu seu Comandante mantendo-se sempre a distância “dos suspeitos”.

Por incrível que pareça recebi um elogio pela minha atuação como Oficial de Dia.

Fora os dois acidentes, alguns IPM (Inquéritos Policiais Militares) e prisões de simpatizantes da causa errada, o ano de 1964 transcorreu normal em termos de atividades aéreas. Muitos vôos de treinamentos operacionais, lançamentos de bombas e foguetes no stand da Marambaia, viagens de instrução e manobras conjuntas com o Exército e Marinha Brasileiros.

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Capítulo 7

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Em termos de vôo em formação, lembro-me de um no qual levei um susto enorme, isso foi no início do ano..

Decolamos, 4 aviões, de Santa Cruz para mais uma missão de lançamento de foguetes no “stand” da Marambaia liderado pelo Maj. Bezerra, Ary Casaes Cavalcante. A missão correu normalmente e ao final ouvimos pelo rádio: “Esquadrilha d’Ouros, formação Diamante”. Posicionei-me abaixo do líder, bem no meio dos outros dois aviões formando, basicamente, uma cruz.

A Esquadrilha em vez de regressar para Santa Cruz tomou o rumo do Campo dos Áfonsos em Marechal Hermes, subúrbio do Rio de Janeiro aonde se situava a Escola de Aeronáutica (antiga AFA). Chegando lá, inesperadamente o Maj. Bezerra iniciou um looping bem em cima da pista. Até aí tudo bem, pois estávamos acostumados a fazer acrobacias diariamente. Na subida do looping, já na vertical, o avião número 2 entrou para dentro da formatura. Não tive outra opção a não ser tirar o motor para evitar uma colisão. Ele havia tomado meu lugar. Deparei-me então na seguinte situação: perna de subida do looping, motor reduzido, atrasado em relação aos outros 3 aviões e a velocidade caindo vertiginosamente. Coloquei, imediatamente, as manetes de potência todas a frente e falei pelo rádio de acordo com a doutrina da Caça: “Nº 4 atrasado”.

A partir daí, imagino o que o Líder, Maj. Bezerra, tenha pensado: o nº 4 atrasou, olhando para seu lado direito, não viu o nº 2 (ele estava na minha posição bem abaixo do avião do líder), no seu lado esquerdo o nº 3 na ala corretamente. Como estávamos em uma demonstração em cima da Escola de Aeronáutica, tendo como platéia todos os cadetes da FAB e para tentar “não fazer feio”, resolveu comandar outra acrobacia chamada “desfolhada”. Resumidamente, o desfolhado na subida do looping, em Diamante, os aviões 2 e 3 saem da formação em ângulos de 90º; o líder continua no looping e o nº 4 abandona a formação girando 180º na vertical e ao completarem os loopings individuais, já nivelados cruzam a baixa altura em forma de cruz.

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Desfolhado EDA

Devido a perda da velocidade na subida, não me foi possível fazer o “desfolhado”. Cheguei ao topo do looping completamente “estolado”, com uma velocidade bastante baixa. Passei no dorso com o F-8 trepidando bastante e mergulhei atrás do líder ganhando velocidade. Para minha surpresa, o Maj. Bezerra resolveu terminar a acrobacia rasante.

Como eu estava a baixo do nº 2 que por sua vez estava abaixo do líder, fui obrigado a subir um pouco pois não havia espaço, para mim, entre o solo e os outros dois aviões.

Ao mudar uns 3 metros de altura, rasante e numa velocidade aproximada de uns 400 km/h, fui surpreendido pelo “remu” (massa de ar turbulenta que um avião deixa, normalmente em vôo, logo atrás dele). Meu avião, em função do tal “remu” gira lateralmente e vira de cabeça para baixo. Lembro-me, nitidamente, ter visto os aviões C-82 e C-119 do GTT (Grupo de Transporte de Tropas), estacionados na Base dos Afonsos, todos de dorso. Não eram os aviões estacionados que estavam de cabeça para baixo e sim eu que estava naquela situação.

Não me perguntem como consegui sair daquela “encrenca”. Certamente, devo ter empurrado o manche para frente, afastando-me um pouco do solo e dei um meio “tounau”.Felizmente a ponta da asa não bateu no chão, conseguindo nivelar o Gloster, prossegui na formatura.

Tudo isso aconteceu em segundos e não tive tempo para pensar em nada. Ao pousar em Santa Cruz, no regresso, foi que “a ficha caiu”. Eu devo ter lançado no sangue, muita adrenalina, pois ao tentar sair do avião, não consegui. Minhas pernas estavam bambas e sem firmeza para levantar-me. Solicitei ao mecânico o caderno de registro do avião e o preenchi dentro da cabine para voltar a calma. Ninguém notou nada e, após alguns minutos, consegui sair do F-8.

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Esse foi um dos muitos sustos que levei durante a minha vida de aviador.

Nem todos conseguem sair de uma “encrenca” salvando o avião. A sorte do piloto, por vezes sacrifica a máquina. Foi o que aconteceu com o Ten. Carlos (Manoel, Pereira) no dia 25 de abril de 1965.

Ao voltar de uma missão, já na curva final do pilofe (manobra de pouso), trem em baixo, todo o flap, motores reduzidos e pouca velocidade para o pouso, entrou no “remu” do avião do Ten. Pereira (Odilon Holmitives) que o precedia. O F-8 projetou-se no solo sem que o Ten. Carlos tivesse a mínima chance de reagir. Com pouca velocidade o Gloster praticamente “pousou” sozinho no meio do mato da cabeceira da pista 22 da Base Aérea de Santa Cruz. O piloto saiu ileso e devido ao susto que todos passamos, o “pouso” do F-8 ficou imortalizado no cancioneiro da Caça, com a música “Kilombo, pilofe com tombo” (paródia da Festa de Arromba de Roberto Carlos).

Em todas as reuniões anuais da ABRAPC (Associação Brasileira dos Pilotos de Caça) essa música é cantada por todos, mesmo aqueles que não voaram o Gloster Meteor. Cantamos felizes, pois relembramos que o Ten. Carlos saiu ileso do acidente e prestamos uma homenagem ao avião que se sacrificou para salvar a vida de um caçador. Foi o vôo derradeiro do F-8 4418, nº de fabricação G5-453730.

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Aqui cabe um comentário sobre vôos de formatura onde dois ou mais aviões voam a poucos metros uns dos outros.

Quando Aspirante Aviador, ouvi de um instrutor que o aluno deveria “vestir” o avião como se fosse um casaco. Interpretei que deveríamos esquecer a pilotagem e nos preocuparmos somente o que o avião líder fazia.

Acredito que todo piloto militar veste o avião quando em vôos de formatura. Anos mais tarde, já como instrutor de caça em Fortaleza, um Aspirante Aviador perguntou-me quais seriam os movimentos dos pés nos pedais e das mãos no manche e na manete do motor voando na ala de outro avião. Fiquei calado por uns instantes e respondi sinceramente: “Não sei!!!”

Como estamos olhando os movimentos do avião líder e mantendo permanentemente as mesmas distâncias longitudinais, verticais e laterais, não dá para nos conscientizarmos quais os movimentos que fazemos com os pés e mãos.

Na verdade “vestimos” realmente o avião como se fosse um paletó, esquecendo que ele existe. O que interessa é a distância relativa, nos três eixos, do avião líder. Um macete que eu usava era manter, sem deixar sair, uma perspectiva de um parafuso da asa do avião líder, sempre “dentro” do contorno da cabeça do piloto em liderança. Na visão do ala, abaixo e ao lado do líder, alinhar uma área da asa, um parafuso por exemplo, do avião líder a uma referência em relação ao piloto em comando, é relativamente fácil.

Dentro deste contexto, lembro, particularmente, de uma delas, em cima da Base Aérea de Santa Cruz, na qual demos um “show” comentados por todos os outros pilotos. A esquadrilha foi liderada pelo Cap. Pereira (Odilon Holmitives) tendo como nº2 o Ten. Duncan (Euro Campos), nº 3 o Cap. Frota (Ivan Moacyr) e eu de nº 4 fechando a formatura chamada de Diamante. (os 4 aviões voam em forma de cruz). A demonstração aérea, em comemoração a alguma data festiva, durou aproximadamente 50 minutos e durante todo o tempo, não saímos dos limites do “box” (caixa imaginária) do espaço acima da Base. Até hoje não sei como o Pereira conseguiu aquilo, pois todas as acrobacias demandam bastante velocidade e, para isso normalmente as aeronaves saiam do tal “box”.

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Diamantão com 9 F8

As acrobacias rente ao solo, eram suaves e eu não fazia esforço nenhum para manter corretamente a minha posição.

Volto a comentar sobre o piloto que tem o dom de voar. O Líder, Cap. Pereira, conhecido na FAB como Macuco, foi um deles. Todos os 4 aviões sabiam que o Macuco os estava comandando e o ajudava a deixar aquela demonstração a mais perfeita possível. A minha impressão era a de que os comandos da aeronave mexiam-se autonomamente, sem nenhuma ação de minha parte. Naquele vôo eu fui espectador.

Sempre desconfiei que os F-8 eram seres vivos, com sentimentos, orgulho, tendo lá as suas vaidades e não queriam “fazer feio” perante ao piloto com o dom de voar. Saí do avião, após o pouso, descansado como estivesse levantando da cama após um sono tranquilo, completamente em paz comigo mesmo, com a FAB e com o mundo.

Era muito bom e fácil voar na ala do Cap. Pereira.

Ouro tipo de vôo que considero inesquecível foi o de emprego militar das aeronaves F-8. O “Stand” de tiro do Grupo de Caça localiza-se na Restinga da Marambaia, litoral do Rio de Janeiro, praticamente em frente da Base Aérea de Santa Cruz. O “stand” era tão perto para o F-8, que por vezes fazíamos vôos com duração de 20 minutos e lá jogávamos um monte de bombas e centenas de obuses dos canhões de 20 mm.

Uma das missões que mais gostava era a de Bombardeio Picado. Na perna com o vento do mergulho, a 8 mil pés, deveríamos enquadrar o alvo, no solo, dentro da alça de abertura manual do canopy. Para que essa situação acontecesse, deveríamos estar quase na vertical do alvo. Ai era só dar um meio parafuso e mergulhar. Durante a descida dever-se-ia equalizar a rotação dos motores para que o F-8 não ficasse passando de um lado para o outro, sem que conseguíssemos enquadrar o visor no alvo. A doutrina era largar as bombas a 4 mil pés e recuperar o mergulho para novo circuito. Dependendo do Esquadrão que estivesse tomando conta do Stand no dia, continuava-se no mergulho e lançávamos as bombas a mil pés, ou seja as entregávamos “em casa” e os acertos eram muito mais precisos. A partir daí, para não entrar chão adentro, puxávamos o manche e a força da gravidade na recuperação, atingia, por vezes 8 Gs. (8 vezes mais do que a gravidade normal). Nessa manobra, o coração não tinha força suficiente para bombear o sangue para a nossa cabeça. O primeiro órgão a sentir isso, são os olhos. Enquanto durasse a força “G” perdíamos a visão, só a recuperando após a aeronave passar pelo plano horizontal em relação ao solo.

Essa indisciplina era feita em virtude da forte competição entre os dois Esquadrões do Grupo. O “Segundão” tinha que ganhar sempre.

Quando Chefe da Seção de Armamento do 2º/1º Gav. Ca, reuni toda a Seção e mandei que estudassem uma maneira de melhorar os acertos de foguetes.

Após um tempo o Ten. Feitosa, Oficial de Armamento do “Segundão” propôs fixar os foguetes na parte traseira dos trilhos subalares para que eles saíssem mais tensos por correrem maior distancia “bitolado nos trilhos”.

Mandei fazer a mudança e nada comuniquei ao primeiro esquadrão.

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Foguete FASC de Instrução do F-8

A campanha de lançamentos de foguetes naquele ano foi um sucesso para o 2º/1º Gav.Ca. Ganhamos a Taça Eficiência, troféu disputado entre os dois Esquadrões anualmente, com larga margem de pontos.

Outra missão, o Tiro Aéreo, é feito com um circuito de vôo difícil de explicar. É o tráfego aéreo mais complicado até para um aviador, não caçador, entender. Imaginem um circuito de tiro terrestre. Normalmente o avião faz um circuito retangular fazendo o mergulho para o alvo sempre no mesmo rumo. Após o tiro, o piloto faz uma curva para um dos lados, na Marambaia era para a direita, sobe para a altitude do circuito e entra no rumo inverso do mergulho para o alvo. Após voar por algum tempo, curva novamente para a direita e no través do alvo, faz outra curva e mergulha enquadrando-o no visor para iniciar o tiro.

No aéreo, teoricamente, seria a mesma coisa, porém com um pequeno detalhe: o alvo se move numa velocidade um pouco inferior ao do Caça. Na prática, o circuito é linear e não em forma retangular e o caça voa basicamente no mesmo rumo em todo o circuito de tiro. Os caças ficam em um “poleiro” a mil pés acima e afastados lateralmente do avião que reboca o alvo. Um de cada vez mergulhavam sobre o alvo (faixa retangular de fibra aproximadamente 10 x 2 metros) e no ângulo e velocidades previstas, despejavam uma saraivada de tiros dos 4 canhões do Gloster.

Os obuses eram pintados de cores diferentes em cada avião, de maneira que pudéssemos conferir os acertos no alvo após o pouso. Muitas vezes saia uma discussão danada entre os pilotos cujas cores dos obuses eram laranja e amarelo.

Durante todo o tempo que voei F-8, nunca houve uma pane de motor e acredito que em toda a sua operação no Brasil nenhum piloto tenha voado monomotor sem ser em treinamento. Fui testemunha da robustez dos motores Rolls-Royce Derwnt 8 em um vôo de esquadrilha em alta altitude. Não lembro quem eram os pilotos, eu era o nº 2 o Ten. Vasquez (Julio Pato) o nº 4.

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Rolls-Royce Derwent 8

O motor do F-8 foi concebido na época da II Guerra. Era um motor a jato, convencional, porém sem a evolução tecnológica existentes nos motores modernos. Uma dessas tecnologias inexistentes era um assessório chamado FCU (Fuel Control Unit). Todo motor funciona com uma mistura ideal do ar atmosférico e combustível. A medida que o avião sobe, o ar vai se tornando mais rarefeito, necessitando em consequência, de menos combustível. O FCU é o responsável por isso.

Pois bem, estávamos a 42 mil pés, em torno de 12 mil metros de altitude, quando o nº 4 atrasou e para acompanhar a formatura foi obrigado a levar a manete dos motores a potência máxima. Como o movimento não foi extremamente lento, os dois motores superaqueceram, por excesso de combustível e apagaram. O F-8 iniciou uma descida. A reascendimento das turbinas, conforme o Manual de Emergência deveria ser feito abaixo de 18 mil pés. Quando o Vasquez cruzou esta altitude, deu partida nos motores e prontamente voltaram a funcionar. Regressamos para Santa Cruz, fizemos algumas acrobacias em cima da Base e pousamos normalmente.

Tinha sido apenas um susto e ao caminharmos de volta ao hangar, ouvimos o mecânico nos chamar:

-”Ten. Vasquez, venha ver só uma coisa”.

Ao chegarmos perto do escapamento das turbinas, vimos estarrecidos um líquido prateado escorrendo de dentro do motor para o chão. Este líquido prateado era alumínio derretido de alguma peça interna do motor. Vejam vocês que mesmo com parte do motor derretido, o Vasquez deu partida, os motores ascenderam normalmente, voaram mais uns 20 minutos sem deteriorar as suas performances e levaram o avião e o piloto são e salvos para a pista. O hoje Cel-Av R/R Vasquez guarda, como lembrança, parte daquele alumínio recolhido, após solidificar-se, no pátio de estacionamento da Base.

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Naquela época, éramos considerados heróis até para os soldados e sargentos. Tenentes, tirávamos serviço de Oficial de Dia e de Operações da Base. Numa dessas ocasiões, quando estava como Oficial de Dia, mandei o barbeiro montar uma “barbearia”, próximo ao Portão da Guarda, no final do expediente de um dia normal de trabalho.

Na revista de saída dos primeiros soldados, casualmente do Corpo de Bombeiros, separei todos aqueles que estavam com o cabelo fora do padrão e os mandei para a “barbearia” improvisada. O inusitado correu, imediatamente por todo o efetivo dos soldados e contaram-me, posteriormente, que “vazou” soldado em todo o perímetro da Base para não passarem pela revista de saída. Eu era para ser odiado por todos os soldados, porém num próximo serviço de Oficial de Dia, um dos soldados bombeiro apresentou-se a mim e perguntou-me se podia dar-me uma lembrança. Achei estranho, mas disse-lhe que tinha a minha permissão. Passou-me então duas coisas que guardo até hoje com muito carinho.

O primeiro, foi uma maquete do Gloster esculpido por ele em madeira e pintado com as cores do “Segundão”. O segundo foi um desenho livre onde eu aparecia num F-8 sobrevoando a torre de Santa Cruz, onde no seu andar térreo localizava-se o Corpo de Bombeiros da Base. Devia ter anotado o nome do soldado. Infelizmente não o fiz.

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Maquete do F8

Para fechar o ano de 65 vou contar um vôo que realmente não me agradou.

Não lembro ao certo, mas deve ter sido no dia 23 de outubro, Dia do Aviador. Imaginem a BASC de “Portões Abertos” e cheia de visitante.

Como era um dia festivo, direcionado as famílias dos militares e civis simpatizantes, o Comandante da Base autorizou aos pilotos a voarem com suas famílias nos aviões administrativos. “Caçador emérito” convidei minha mulher a fazer um vôo de T-21.

Decolagem, subida para uns mil pés, numa manhã de céu claro e um cenário maravilhoso da baia de Sepetiba. O vôo estava indo muito bem até que resolvi mostrar para minha mulher uma acrobacia. Por ser mais “light” iniciei um tounau barril. Acostumado com o Gloster, atingi 80 nós na picada, levantei o nariz do avião acima do horizonte e, com o pé e mão para a direita, começamos a rodar. A diferença que não me dei conta na hora, foi a velocidade do avião que estava acostumado e o T-21. O Fokker foi bem até o dorso e nessa posição, já sem velocidade e sustentação embicou em direção ao solo. Não tive alternativa a não ser puxar um “Gesinho” para colocar o avião na horizontal novamente.

Minha mulher conta até hoje que ela não conseguiu tirar a mão da perna, em função da força “G” e colocá-la na barriga. Vocês devem estar se perguntando: Por que na barriga?

Respondo: Ela estava grávida de 6 meses de meu segundo filho.

No início do ano ele nasceu saudável e sem vestígios daquele vôo. Ufa……

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  • 2 weeks later...

Capítulo 8

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Beechcraft E-18S

Mas nem só de F-8 voávamos naquela época. Voei também o L-6, T-6, C-42 e o Beechcraft E-18S dentre outros que não mais recordo.

Lembro-me, especialmente, de um voo de T-6, em 09 de outubro, de nº 1663 que fiz a Santa Izabel do Morro, na Ilha do Bananal (GO) as margens do rio Araguaia. Num fim de semana, equipado com uma espingarda “12”, partimos, eu e o Ten. Vasquez, Julio Pato, com o firme propósito de caçar e pescar naquela região. Lá chegando, hospedei-me no Hotel JK (originalmente Juscelino Kubitschek e após a revolução John Kennedy), um hotel 4 estrelas, hoje não mais existente, para no dia seguinte sair para caçar.

Como não conhecia a região, solicitamos a um grupo de indígenas (apenas um falava português), para conduzir-nos ao local em que caçavam patos. Dito e feito, entramos na floresta seguindo os indígenas. No trajeto, um indiozinho de uns 10 anos de idade, fez-me um sinal para segui-lo em outra direção. Jovem, sem medir as consequências, topei na hora e separamo-nos do grupo. Após uma meia hora de caminhada por trilhas no meio da mata, adentramos a uma Taba Indígena. Fui rodeado, imediatamente pela tribo. É claro que nada entendi o que falavam e uma das mulheres perguntou-me alguma coisa que respondi com um aceno de cabeça e um sorriso.

Vejam vocês que eu estava sozinho, sem entender uma palavra da língua Guarani, ou lá qual fosse, rodeado por indígenas e completamente perdido no meio do mato.

A índia então voltou com um copo de metal imundo cheio de um líquido escuro mais parecendo uma água de latrina velha. Sorri, peguei o copo e bebi todo o líquido. Não senti gosto nenhum, talvez fosse água.

Um índio mais velho então devia ser o cacique, fez-me sinal para segui-lo. Caminhamos mais meia hora e paramos em silêncio em baixo de umas árvores bastante altas. Tempos após, no anoitecer e completamente em silêncio, ouvimos o barulho dos patos chegando a seus “dormitórios”. Eu desconhecia que os patos selvagens da Amazônia regressavam todos os dias, para o mesmo local, nas copas das árvores, para dormirem. Os índios sabiam e fizeram sinal para eu começar a caçada. Gastei toda a munição que tinha levado e matei mais de uma dúzia de patos selvagens. Evidentemente que peguei um para mim e dei o restante para a tribo.

Agradecidos, os índios conduziram-me de volta ao hotel por volta de meia-noite. Na volta, em Santa Cruz, minha mulher fez um pato assado cujo gosto lembro-me até hoje.

Outro voo, bastante diferente, foi uma viagem a Porto Alegre de C-42 Regente, nº 2986.

L-C-42-Regente.jpg

O Regente era um avião, fabricado no Brasil pela NEIVA, triciclo, monomotor, asa alta, duplo comando com 4 lugares, dois passageiros no banco de trás. Seu interior lembrava um “fusca” o Volks mais vendido na época.

Numa sexta-feira, no final do expediente ao atravessar o Hangar, ouvi meu Comandante, na época, Maj. Dagoberto me chamar:

– Danilo, você faria um favor para mim?
– Claro Major!
– Danilo, você poderia levar minha sogra para Porto Alegre no Regente da Base?

Na hora, nem pestanejei e disse-lhe:

– É claro Major, mas com uma condição: levar também a minha mulher.

No sábado, pela manhã, decolamos rumo a Porto Alegre com previsão de pouso em Santos (SP) e Florianópolis (SC) com minha mulher de co-piloto e a sogra do Maj. Dagoberto no banco de trás.

Estava uma manhã maravilhosa, céu claro sem nuvens que se manteve assim até Porto Alegre. Como estava “a passeio”, resolvi voar rasante para mostrar as praias do litoral à minha mulher. Conclusão: voei costeando o litoral, em voo rasante, até a cidade de Tramandaí no Rio Grande do Sul.

Foi realmente um voo maravilhoso, as duas mulheres estavam extasiadas com a paisagem, sendo que após Tramandaí, fui obrigado a subir para adentrar corretamente o terminal aéreo de Porto Alegre. Pousamos na Base Aérea de Canoas e logo a seguir peguei um taxi e entreguei a sogra do Major Dagoberto “a domicílio”. Estava cumprida a Missão recebida.

Aproveitamos o fim de semana para visitar vários de meus parentes que não os via há muito tempo.

Na segunda-feira, quando acordei de manhã bem cedinho, olhei pela janela do quarto e percebi a “encrenca” que tinha me metido. Teto baixo, com uma chuva fininha e o regente só voava visual, não tinha os equipamentos necessários para voo dentro das nuvens. Caçador, metido a “pilotaço”, preenchi um Plano de Voo Visual para Florianópolis, solicitando uma decolagem especial, pois só estavam autorizando decolagens com planos de voo por instrumentos.

Para minha surpresa, fui autorizado a decolar. Estava bastante apreensivo, pois pouco conhecia da região e só tinha uma solução: decolar, sobrevoar a estrada Porto Alegre – Tramandai, rasante e em baixo das nuvens, atingir o litoral, dobrar a esquerda e voar em cima da praia até Florianópolis. A previsão meteorológica informava que a frente fria ainda não havia chegado a Santa Catarina.

Fingi que tudo estava bem, para não preocupar a minha mulher, e decolei para cumprir o planejado. Deu tudo certo e quando sobrevoei o Cabo de Santa Marta, no nordeste do Rio Grande do Sul, saí das nuvens para um céu claro, ensolarado e com a ilha de Florianópolis no meu visual. Voamos até o Rio de Janeiro sem mais percalços. O interessante dessa história foi que a minha mulher, no trajeto mais preocupante, voo rasante em cima da estrada na saída de Porto Alegre, disse-me:

“Danilo, o voo está muito monótono e eu vou pular a cadeira do copiloto e dar uma “dormidinha” no banco de trás. Assim ela foi até pousarmos em Florianópolis e nem percebeu o risco e as “loucuras” rasantes que tive que fazer até chegar a Tramandai.

T-6G.png

No dia 10 de junho fui escalado, T-6G 1389, para levar um mecânico, 3ºSgt Leite, a Fortaleza prestar socorro a um TF-7 com pane hidráulica.

Decolei de Santa Cruz as 15h00min com escala em Vitória e Salvador naquele dia. A rota de Vitória e Salvador afasta-se da costa a uma distância tal, que na altitude que voa o T-6 não se via a costa da Bahia. Voava-se na aerovia Verde Uno como se estivéssemos no meio do Atlântico. Só Mar a 360º. Como decolei de Vitória em torno de 17hs, fiz a maior parte do trajeto a noite. Quando pousei em Salvador, o Ten. Sirotheau, (Gilberto Correia), Oficial de Operações da Base, estava me esperando ansiosamente. Queria saber qual era o aviador maluco que havia voado essa rota noturna. Eu não sabia, mas ninguém se arriscava num avião monomotor naquela rota em voo noturno. Eu desconhecia esse “folclore” e fiz. O resto da viagem foi sem problemas.

No retorno, resolvi decolar de Fortaleza as 18:00 Hs, pois havia gostado, e muito, de voar noturno naquele céu estrelado do nordeste. O trajeto de Recife a Salvador, todo noturno e em cima da praia, foi uma delícia e uma cisma que sempre tive.

Acreditava eu, como muitos na época, que discos-voadores extraterrestres nos visitavam com frequência e qual a melhor e maior probabilidade de vê-los? É claro que a noite e de céu claro! De olho no céu estrelado, infelizmente, só vi alguns cometas e nada mais. Pousei no dia seguinte em Santa Cruz sem perder as esperanças de vê-los algum dia. Hoje ainda, quase 50 anos após, sonho em vê-los.

O ano de 1966 não foi bom para mim como caçador. Em julho, como Diretor Social do Cassino da Base, preparei uma festa de São João de “arromba” visando a criançada, da Vila dos Oficiais. Resolvi fazer um show pirotécnico e deparei-me com uma realidade que desconhecia completamente. Ao adquirir os fogos de artifício em uma loja de Campo Grande, subúrbio do Rio, o dono da loja quis corromper-me. Não entendi nada o que o “cara” desejava, porém desconfiado neguei toda e qualquer proposta que ele me fez. Talvez por me achar muito “burro” forçou-me a aceitar uma caixinha de rojões que soltava uns paraquedas iluminados. Acabei aceitando e não pretendia acende-los, pois havia planejado somente rojões fixos na terra, nenhum para soltar com as mãos.

Mandei cercar toda uma área ao lado da piscina e coloquei bombeiros em volta para evitar qualquer incidente desagradável. Durante o espetáculo, lembrei-me do “presente” daquele salafrário e resolvi soltar um. Atrás do paredão de treino de tênis, próximo do local dos fogos, colocando a mão do outro lado do paredão, ascendi um deles. O rojão não disparou e eu não poderia largá-lo devido à proximidade das pessoas que estavam assistindo a queima. Não tive alternativa a não ser colocar a cabeça fora da proteção e ver o que poderia ser feito. Nesse exato momento o rojão disparou “pela culatra” atingindo o meu olho direito. Fiquei o resto do ano sem voar e em recuperação. Somente voltei a voar o F-8 em 1967. Perdi 6 meses de voar o avião do meu ideal.

Aprendi que a vida tem seus altos e baixos, alegrias e tristezas, sucessos e insucessos em uma sequencia alucinante. Quando a gente se dá conta, já passou e a vida continua. E assim acabou o ano de 1966.

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